RAMALHO LEITE
Na vida pública a gente convive com muita gente. Gente boa e gente mais ou menos. O experiente deputado José Fernandes de Lima costumava dizer que “o político é um técnico de ideias gerais e, conhecer gente, é o seu mister”. Trilhei esse caminho desde que ingressei na política como vereador, eleito na última eleição que a União Democrática Nacional, a UDN da eterna vigilância, compareceu às urnas. Na minha caminhada guardei nomes que mereciam respeito e afeto. Em Solânea, capital da serra paraibana, registro o exemplar amigo e trabalhador da arte e da noite, que acaba de partir para outra dimensão.
A referência é dirigida a Dercy Souza, marceneiro dos melhores, locutor irreverente e empresário da noite, quando, nos anos 1970, ficou famoso por dirigir um clube de solteiros chamado de Setentão, cuja frequência era maior de casados, em busca de diversão alternativa. E não adiantava se esconder nos reservados. Nos intervalos, Dercy fazia questão de destacar seus ilustres convivas e pelo microfone, registrava: ”Aqui presente o gerente do Banco do Brasil, o gerente da Caixa Econômica e o juiz de Pilões”. Era um Deus nos acuda de gente a se esconder por debaixo das mesas…
Filho de seu Francisco Souza, proprietário da principal mortuária da cidade, enquanto o pai acalmava as dores de famílias enlutadas e providenciava a viagem dos mortos para a última morada, Dercy cuidava de fabricar alegria e festejar com música a juventude de alegres cavalheiras que se portavam com toda a decência naquele ambiente de forró. Até por que, de vez em quando, o dono da casa bradava: “Respeito é bom e eu gosto”…
O maior show do Setentão envolvia Delcy e uma boneca de pano que, com os sapatos agregados aos pés do seu criador, rodopiavam no salão, enquanto os demais frequentadores descansavam e assistiam, sob aplausos, a exibição do casal de dançarinos. Em um dos São João Cinco Estrelas, de Gerardo Rabelo, no Paço dos Leões, Marta, prefeita de Bananeiras, para divulgar o Maior São João Pé de Serra do Mundo, trouxe Dercy e a Boneca para uma exibição naquele salão requintado da capital. Fui um sucesso. A boneca de Delcy ficou viúva.
Fui também frequentador do Setentão. Nos anos 1980, virou Oitentão. Candidato que desejasse encontrar suas eleitoras mais simpáticas e a fina flor da juventude solanense, teria que frequentar o Setentão. Nas campanhas políticas, Dercy se despedia do Setentão para comandar os palanques dos seus candidatos. No tempo em que imperava a ARENA e o MDB, em Solânea, dois candidatos a prefeito ocupavam sublegendas do MDB, Ivamberto Azevedo e Arnóbio Viana. No começo tudo às mil maravilhas. Daí a pouco a ciúmada começou a funcionar e dois palanques surgiram. No primeiro evento após a diáspora, Arnóbio sugere a Delcy que justifique a ausência do outro candidato. E eu digo o que? Indagou o locutor. Diga que está ausente por motivo de força maior, que está doente, qualquer coisa, ensinou o candidato. E Delcy nãos se fez de rogado, sapecou ao microfone: “Ivamberto não compareceu hoje. Está doente, por motivos superiores”…
É essa figura humana, com o folclore rico a circular, que Solânea chora sua partida.
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