Por GILBERTO CARNEIRO
ESSA semana um amigo foi brutal e covardemente espancado na Praça da Paz. As razões para a covardia causam tanta revolta como o próprio ato em si do espancamento. Ulisses passava pela Praça da Paz e ao presenciar uma mulher trans sendo agredida adotou a postura comum a qualquer ser humano que carrega um bom coração no peito, intervir naquela situação bárbara.
Quebraram-lhe costelas, a mandíbula e o deixaram com inúmeros hematomas. Encontra-se hospitalizado aguardando a realização de cirurgia. Campanha dos seus amigos nas redes sociais solicita o auxílio de voluntários para doação de sangue no Hemocentro destinado ao Hospital de Emergência e Trauma, aonde se encontra.
Este fato me fez refletir sobre o grau de intolerância que vive o país. Participo de alguns grupos e percebo a agressividade nas postagens por parte daqueles que, não todos, porém uma parte relevante teima em não aceitar o resultado das eleições presidenciais, achando-se acima do bem e do mal, usando as redes sociais com um único propósito, destilar veneno em invólucros de ódio, de puro ódio. As postagens, em sua maioria, são carregadas de conteúdos odiosos, negativos, duvidosos e questionáveis, quando não fake news. Ouse discordar e expressar sua opinião. Será massacrado, xingado, chamado de comunista fdp, a menor das ofensas. Liberdade de expressão para estas pessoas é o direito que acham que possuem de agredir, caluniar, difamar e desrespeitar a opinião de quem pensa diferente. Agem sob o falso discurso da defesa dos valores da Família, da Pátria e de Deus. Lembram dos fariseus da época de Jesus? Recusavam o exercício do sacerdócio aos coxos, cegos, prostitutas e marginalizados os considerando impuros. Jesus assim proclamou: “porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus” (Mt 5.20).
Ulisses manifestou sua revolta nas redes sociais e recebeu o apoio dos amigos, mas também algumas manifestações obtusas demonstrando o quanto a nossa sociedade possui tendência conservadora culpando a vítima e não o agressor nestas situações, o recriminando por ter agido “impulsivamente” em defesa de uma pessoa fragilizada. Nenhum repúdio aos agressores ou exigência às autoridades de punição aos bárbaros, às exceções do Blog do meu amigo Tião e da Associação Paraibana de Imprensa – API, que conclamou os associados a doar sangue no Hemocentro e conceituou o ato de Ulisses como corajoso e humanitário.
Mas uma pausa, deixa perguntar: SABE o que é cerca óctupla? É a Inspiração que nos faz refletir sobre os caminhos que a nossa sociedade está tomando, baseando um pouco nossa reflexão em valores culturais da comunidade japonesa. Leituras e observações sobre os seus comportamentos nos fazem perceber a forma diferente como vem as situações da vida real. Em sua cultura lamentam por aqueles entes queridos que perdem ou passam por uma situação adversa, porém o foco não é a tristeza, mas a indignação que os fazem fortalecer as suas lutas diárias.
Os nipônicos desde a infância aprendem a construir dentro deles uma cerca impenetrável, intransponível, óctupla, à qual podem se retirar quando precisam. Treinam seus ouvidos para ouvir sem escutar. Podem ouvir o som de uma flor caindo ou as pedras crescendo. Ao ouvir de verdade sua circunstância atual desaparece. Mas não se enganem com a polidez dos japoneses, com a mesura e seus rituais infinitos, pois debaixo de tudo isso podem estar muito distantes, mas muito seguros e determinados.
Reza a lenda que um Samurai integrante do xogunato ou “xogum” viu um bárbaro inglês mergulhando da proa do seu navio e ficou impressionado com a sua desenvoltura. O oficial japonês convidou o anglicano para vir ao seu navio o ensinar a mergulhar. O europeu aceitou o convite, mergulhou e depois deu as instruções para o japonês fazer o mesmo, porém este pediu ao inglês que mergulhasse mais uma vez, mais uma vez, repetidas vezes. O samurai só observava o britânico, sem mergulhar, irritando-o. O nipônico então propôs uma disputa: qual dos dois chegaria à praia a nado. Aceito o duelo, o japonês venceu. O inglês intrigado perguntou – “como você ganhou? qual o segredo? E o japonês, no alto da sua sabedoria. – “aprendi todas suas técnicas observando seus mergulhos e o seu excesso de confiança.”
O Japão é uma porção de terra instável. Terremotos, tsunamis, incêndios fazem parte da rotina do povo do Japão. A morte está no ar, no mar e na terra. Pode chegar a qualquer momento, por isso suas casas eram construídas tão rápidas quanto eram destruídas. Uma lição da política japonesa é o mantra que atenta sempre para a efemeridade. – “é bom lembrar que vivemos e morremos. Não controlamos nada além disso”, e repetem. – “se uma casa é erguida rapidamente quando é destruída, se uma casa for arruinada e reconstruída 50 vezes, procure não ver a casa destruída ou suas ruinas, veja uma casa”.
Mas os valores culturais dos japoneses não são absolutos, são relativizados quando se observa a rigidez dos seus grupos sociais e o respeito excessivo à hierarquia e aos costumes tradicionais. A relativização dos valores de um povo sempre estará presente em qualquer civilização, o que importa não é a relativização, isso não enfraquece seus valores, pois a observância deve centrar sobre o que prepondera e não o que se relativiza. O Japão é um país insular, um arquipélago de ilhas com dois terços do seu território coberto por florestas e trinta e cinco vezes menor que o Brasil, no entanto, é a terceira maior economia do mundo em PIB nominal e o décimo segundo país mais populoso. Sua relevância reside principalmente na sua capacidade de inovação tecnológica.
É isso que se espera da nossa Nação. Somos um povo alegre, pacífico, guerreiro e trabalhador, mas ultimamente nossa sociedade vem passando por uma experiência terrível de exaltação à cultura do ódio; à intolerância; à homofobia; ao machismo, ao racismo, à misoginia; à aporofobia (ódio aos pobres), práticas estas que foram todas incorporadas pelos bárbaros neo fascistas que espancaram meu amigo jornalista e que são responsáveis por atrasar o desenvolvimento de uma nação, não de fazê-la progressista. Essas práticas não podem e não devem se justificar, sob nenhuma perspectiva, sem relativização. Está na hora de se dar um basta nestes comportamentos nocivos, começando pela identificação e punição dos agressores de Ulisses.
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