Memórias

A EMBOSCADA FATAL

15 de julho de 2020

O dia raiava em Angicos. A preguiça reinava entre os homens. Virgulino saiu da sua tenda, espreguiçou-se, foi até o fogo improvisado na entrada da barraca, encheu uma caneca de café e se preparava para beber o primeiro gole quando   sentiu o impacto da bala entrando pela barriga. Caiu entre as pedras morto. Os outros cangaceiros começaram também a desmoronar sob os impactos dos tiros disparados pelos soldados comandados pelo tenente João Bezerra , chefe da tropa que, no silêncio da madrugada, cercara o acampamento e agora dizimava os cangaceiros, sem dar-lhes o direito de reagir.

Luiz Pedro acabara de furar o cerco e ia fugir, quando escutou o grito de Maria Bonita, lembrando a ele que prometera morrer ao lado de Lampião. Voltou, atirou a esmo e também tombou. A essa altura Maria também já estava morta, o corpo caído ao lado do corpo do marido.

A carnificina durou 15 minutos de intenso fogo. Ao final, jaziam estendidos entre as pedras de Angicos Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros.

O segundo ato foi ainda mais macabro. Um soldado violentou o corpo de Maria Bonita com um tronco de mandacaru. Outro arrancou a mão de Luiz Pedro para, quando tudo se acalmasse, retirar dela os anéis que enfeitavam os dedos.

Por derradeiro, deceparam as cabeças dos cangaceiros para exibi-las posteriormente como troféus nas escadarias das igrejas, dos museus e das praças públicas.

Terminava ali a carreira de Virgulino Ferreira da Silva, o Capitão Lampião, o homem que espalhou terror e justiça pelo sertão nordestino, odiado por muitos, endeusado por tantos, uma lenda que ultrapassaria a barreira do tempo e se eternizaria através das histórias e estórias contadas e declamadas pelos que viveram esse tempo.

O tenente João Bezerra levou a fama, mas quem matou Lampião foi o soldado Sebastião Vieira Sandes, o Santo. Em 1970, o historiador Frederico Pernambucano de Mello conversou com um dos coiteiros do cangaceiro, o fazendeiro Audálio Tenório de Albuquerque, e este lhe revelou o nome do autor da façanha. E mais: Santo, que também era apelidado de Galeguinho, estava vivo.

Em 1978 Pernambucano localizou “Galeguinho” no Bairro do Farol, em Maceió, mas quando o abordou, foi rechaçado.

Somente no fim de 2003 “Galeguinho” aceitou falar. Estava com um aneurisma incurável e queria “destampar fatos” que não desejava levar para o túmulo.

Conversaram em 8 e 12 de dezembro de 2003 em Pedra de Delmiro Gouveia, Alagoas, onde “Galeguinho” se despedia dos parentes.

Os dois, “Galeguinho” e Lampião foram amigos de infância. Ambos fabricavam e vendiam artesanato. Até que se separaram, um entrou no cangaço e o outro sentou praça na Polícia.

Na entrevista a Frederico Pernambucano, “Santo” contou que naquela madrugada de 1938 ele subiu ao cume da grota de Angicos, de onde desferiu um único tiro, que atingiu o umbigo de Lampião, despois de resvalar no punhal do cangaceiro. Lampião tomava café diante de sua barraca quando desabou. As volantes atacaram em peso e os cabras tombaram um atrás do outro.

Santo encontrou Maria Bonita perto de Lampião, atingida na omoplata.

– Galeguinho, pelo amor de Deus, não deixe acabarem de me matar -, pediu Maria.

Nesse instante apareceu o autor do tiro que atingiu Maria para “dar cabo da bandida”, decapitando-a. “Santo”, sem conter as lágrimas, fez o mesmo com Lampião. Cada matador tinha que arrancar a cabeça do morto, assim rezava o código de honra dos macacos

Santo” morreu em janeiro de 2004.

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8 Comentários

  • Reply Fabrício Rodrigues 16 de julho de 2020 at 00:02

    Em 28 de julho de 1938, desaparecia o maior e mais famoso cangaçeiro, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampiao! Fazenda Agicos, Poço Redondo/SE

  • Reply Fabrício Rodrigues 16 de julho de 2020 at 00:05

    *ANGICOS

  • Reply Joaquim Pereira 16 de julho de 2020 at 07:34

    Meu caro Tião, sou seu fã. Mas qual Justiça Lampião espalhou pelo sertão nordestino?

  • Reply Eduardo Valois 16 de julho de 2020 at 08:45

    Tião, você tem queda pela bandidagem? Me diga qual “justiça” que Lampião levou ao sertão nordestino?

  • Reply Rena Bezerra de São José 16 de julho de 2020 at 11:49

    No Nordeste brasileiro
    Meio a caatinga e mormaço,
    Numa época em que a lei
    Era na bala e no braço,
    Viveu por essa ribeira
    O Virgulino Ferreira
    Lampião, Rei do Cangaço.

    Ocupando cada espaço
    Viveu por esse torrão,
    Implantou a sua lei
    Sem pena sem compaixão,
    Combateu a covardia
    Dizendo que não servia
    Para viver no sertão.

    Despertou veneração
    Foi amado e odiado,
    Mesmo sendo controverso
    Pelo sertão é lembrado,
    Que no punhal e no braço
    No cenário do cangaço
    Edificou seu reinado.

    Poeta cordelista
    Rena Bezerra

  • Reply Marcos Pires 16 de julho de 2020 at 11:51

    Oxente..: que conversa é essa de que vc está fazendo uma pesquisa para saber se pública ou não um livro com esses escritos? Vai pesquisar la na baixa da égua, porque os meus 5 exemplares pode deixar reservados. Uma pena que Humberto Gomes de Barros já se foi. Ele conotaria outros 5.deuxa de preguiça , Tiao. Vai escrever.

  • Reply H. Romeu. Pinto 16 de julho de 2020 at 14:30

    Estuprador, bandido, saqueador. Matador de aluguel. Grande exemplo pro povo nordestino.

  • Reply Fabrício Rodrigues 16 de julho de 2020 at 17:58

    Viva a cultura nordestina! O q vale aqui são os fatos sobre o fenômeno cangaço e não se ele era bom ou ruim. Tem gente q acha q as volantes não valiam nada também! E por aí segue esse misterioso e fascinante Fenômeno!

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