Por GILBERTO CARNEIRO
ESTIVE em Campina Grande este final de semana. E fui à festa. Fiquei impressionado com a estrutura. Como diria meu amigo Tião, é de matuto ficar de cara pra cima, de boca aberta com os letreiros luminosos, a dimensão gigante do palco e os telões com sua falsa magia espalhados pelo espaço do evento. Estava acompanhado de amigos e amigas maravilhosos, de alto astral, que transformaram a noite em um momento de descontração.
Porém, o fato de ter me divertido na festa não embarga minha análise crítica. O espaço destinado aos pagantes concentra a parte privilegiada da visão do palco. A festa, e sua estrutura, está toda montada para referenciar este público. O trio de locutores do evento, que grita exasperadamente, elogia e cumprimenta os patrocinadores, os políticos, e até o fisioterapeuta de um deles, nenhuma saudação faz ao povão que está espremido nas laterais e fundos das áreas vips, conforme fica evidente na foto que encabeça este texto.
Não sou contra que o poder público faça parcerias com o setor privado. Sou contra é transformar um evento público em um evento privado colocando a lucratividade acima dos interesses do povo, tão sofrido, que adora São João e que queria apenas esquecer um pouco as dificuldades da vida se divertindo em um ambiente com dignidade.
Infelizmente não foi o que presenciei. O sofrimento para aqueles que não têm acesso aos camarotes e áreas vips começa para entrar na arena da Festa, obrigados a permanecerem em filas quilométricas, sob chuva e frio. Os guetos reservados para o povão, faz parecer sardinhas enlatadas, com banheiros químicos exalando odores insuportáveis, enquanto na parte privatizada, é tudo higienicamente impecável, com mictórios e assentos sanitários sempre limpos, pias para lavar as mãos, papéis toalhas, segurança por toda parte, bares exclusivos e até praça de alimentação.
Eu não fui ao Parque do Povo, aquele fundado pelo saudoso poeta Ronaldo Cunha Lima. Eu fui a uma grande Casa de Eventos reservada para privilegiados que conseguem adquirir ingressos caríssimos para assistir shows de sertanejos que cobram cachês estratosféricos numa mega estrutura montada em um espaço público. O povão, que deveria ser o destinatário final desta Festa, virou um mero coadjuvante e a tendência é sua expulsão total do ambiente do evento, restringindo sua participação à apresentação das quadrilhas na pirâmide.
Enquanto isso a mídia tradicional só exalta o evento. Nenhuma crítica, nenhuma narrativa que possa chamar a atenção da sociedade para a necessidade de se debater este modelo de eventos, chamando atenção das autoridades públicas para análise dos seus malefícios.
É certo que este novo modelo não é exclusivo de Campina Grande. Por todo o Nordeste as mudanças resultaram em críticas sobre a redução do espaço para o público não pagante, questionamentos sobre a contratação de empresas para a organização das festas e até mesmo a localização dos camarotes —um deles chegou a ser montado na entrada de um cemitério.
Em cidades como Caruaru, Arcoverde (PE) e Maceió (AL), a exploração privada de camarotes em áreas públicas chegou a ser questionada por órgãos como o Ministério Público e Tribunal de Contas, exigindo-se as prestações de contas de toda a movimentação financeira que envolve desde os cachês milionários pagos, os ingressos caríssimos até as grandes somas desembolsadas por patrocinadores oficiais.
O Parque do Povo sempre teve uma simbologia muito forte para o povo de Campina Grande, ostentando uma espécie de marca popular do seu criador, o saudoso cancioneiro Ronaldo Cunha Lima. Por esta razão, não acredito que seria este o modelo desejado pelo nostálgico poeta e, a esta altura, deve estar se revirando no túmulo, tamanha sua indignação.
4 Comentários
O POLÍTICO SABE O QUE FAZ! SABE TAMBÉM QUE “POVO” – PARA USAR A EXPRESSÃO DO TEXTO – É “POVO” E, ASSIM SENDO, BEM TREINADO PARA A PRÁTICA DA IGNORÂNCIA E DA SUBSERVIÊNCIA, NÃO FARÁ OBSERVAÇÕES CRÍTICAS EM RELAÇAO À PRÓPRIA SITUAÇÃO A QUE É SUBMETIDO. EM ÚLTIMA ANÁLISE E NA PONTA DA CORDA, É QUEM PAGA A FESTA MAS NÃO TEM ESSA PERCEPÇÃO. ALGUNS, POUQUÍSSIMOS, SAEM MAIS RICOS APÓS O EVENTO. A MAIORIA AVASSALADORA SAI ENDIVIDADA DEPOIS DE GOZAR A RESSACA DA CACHAÇA BATIZADA. FICA FELIZ POR SAIR NAS FOTOS, SEM REFERIR AO DESASSOSSEGO A QUE SÃO SUBMETIDOS OS CAMPINENSES QUE NÃO PODEM MORAR EM CONDOMÍNIOS DISTANTES DO CENTRO. ASSIM CAMINHAM, SUSTENTAM E GARANTEM A MANUTENÇAO DA SITUAÇÃO E, NO PRÓXMO ANO TUDO RECOMEÇA … PIORADO.
São as diferenças sociais separadas por tapumes e seguranças, mas quando se fala em diminuir as desigualdades sociais, vem os gritos de todos os lados, querem implantar o comunismo no brasil, vamos virar uma venezuela e por aí vai.
Quem também curtiu o fim de semana no Parque do Povo foi o jornalista Marcos Marinho. “Maivado” foi flagrado ao lado da patroa prestigiando o show de Fagner, na transmissão da tevê. Por falar no cearense, onde já se viu numa festa de São João tocar músicas lentas? Nesse quesito, Elba é insuperável, porque sabe escolher o repertório adequado para a ocasião.
É, esses mercenários estão a cada ano acabando com a cultura propriamente dita do São João, não fui à Campina e não tive vontade de ir, não quero prestigiar essa festa que hoje é organizada para as classes mais abastardas da sociedade. Onde o povão sofre a discriminação de não ser abastado economicamente desde a entrada da festa. Um verdadeiro absurdo.