- Gonzaga Rodrigues
“Havia pombos que arrulhavam em redor de Josefina e libélulas que valsavam com seus vestidos de gazes e seus adereços de ametista”.
Por Deus, mestre Milton Marques, fui ao velho Aurélio a fim de ver se tenho parte com libélula, esse ser alado que vem gravitar, em setembro, em redor do mangueiral de flores (sim, pois é o que acontece também comigo) e vi que, mais intenso que seja o desejo, hei de resignar de vara na mão, sem subir os pés do chão. Que injustiça, que vontade senil de voar!
A Josefina da Santa Cecília aí em cima, a quem o léxico recorre para situar a libélula e firmar sua servidão à messe das flores, no prosaico em que vivo, na minha falta de asas, a Josefina não será outra senão esse mangueiral de flores nascentes que ainda resta nos quintais e ruas sombreadas dos Walfredo Guedes, do prefeito João Mauricio e dos sucessores e partidários de Lauro Xavier, Petrônio Souto entre eles.
Neste setembro, meu compadre Martinho, sumindo o inverno, a floração desses pomos de todos os povos e idades – adocem na Índia, Indostão ou do teu Jaguaribe – rebentou como nunca. Que as chuvas minguem como é esperado para não lavarem o pólen antes da fecundação.
É, na verdade, um show, uma apoteose de harmonia entre o sol, o ar e o veio fértil da mãe terra para nos assegurar, milenarmente, a ordem do sistema, a ordem vital a reger regularmente o milagre da vida com os seus sustentos. A flor, o pólen, o beijo alado, o fruto.
Não chova agora, São Pedro, por favor, para que a floração se sustente.
Vem de longe, vem de longe! E como a Academia chega neste sábado aos 78 anos, estou me lembrando da tarde, logo depois do almoço, quando o poeta e padre Matias vem com Celso Mariz, chama Rocha Barreto à porta do jornal e seguem para a biblioteca de Luiz Pinto. Estão lá, tão pouca gente, Luiz Pinto o diretor.
Quem vem aí? É Álvaro de Carvalho, o filho do barbeiro, escritor, mestre, sucessor do presidente João Pessoa, depois do que, destronado, retoma o boletim de chamada e, com maior elevação, retorna à sua cadeira do Liceu. Muda de posto sem perder altura.
Foi em setembro, o mundo em guerra, Hitler ameaçando Roosevelt e o marechal Timoschenko brecando a invasão alemã em Leningrado. Ascendino e Octacilio de Queiroz comandando o noticiário de A União. Toda a Europa no jornal. Horácio de Almeida entra esquentado, afogado em cabelos, avisando o perigo. E o mangueiral trescalando o mesmo pólen da Índia, da Bahia, dos quintais de São Bento, de São Francisco, como se uma espiritualização de todo o orbe subisse à cabeça dos sete gatos pingados arredondados para os dez que criavam naquele instante a Academia Paraibana de Letras. A última a nascer, talvez única, ainda, em que a singeleza do ladrilho franciscano constitua objeto de desejos tanto de plebeus como de nobres. Ou melhor, tanto de nobres como de plebeus.
4 Comentários
Sou filho de Antônio Pessoa, linotipista do Jornal a União. Quando menino, questionava a labuta noturna e insalubre de meu pai, que respondia: Quando se tem a sorte de pegar uma crônica do Gonzaga (Gonzaga Rodrigues) A oficina vira botica.
Sempre quis dizer isso para o ídolo do meu genitor. (Nunca tive coragem).
PRONTO FALEI!!!
Gena
Puta que pariu. Se o texto de Gonzaga eh maravilhoso, o comentario melhor ainda. adorei.
Tião, eu digitava um textículo comovido com teu afago, com o de Aldo Lopes, com o de Carlos, filho de Toínho Pessoa, família gráfica de A União que pontificava em Jagguaribe, com Dudu e mais irmãos, eu dedilhava até direitinho, chegando a feliz, quando o dedo toca onde não devia e some o texto. Puta que o pariu. Não tenho sorte com essas coisas digitais, até as dos dedos, que carimbavam minha identidade, até elas sumiram. Vou responder por escrito, no papel, e me despeço agradecido enquanto o recado não foge de novo. Um abração do seu Nego, que ainda enxerga o que é bom desde que seja bonito como essa moça que trouxeram de Campina para o jornal da manhã na Cabo Branco. Nossa Senhora!
Conheci toinho na gráfica da UFPB. homem de bem, colega e amigo, parabéns pelo comentário a Gena seu filho.