opinião

A IMPERTURBABILIDADE DA ALMA

5 de janeiro de 2025

 

Por GILBERTO CARNEIRO

EM TEMPOS de praias lotadas, caos no trânsito, restaurantes e bares apinhados de gente, a busca pelo prazer efêmero revela um liame estreitíssimo entre o regozijo e o aborrecimento. O deleite do banho de mar nas águas azuis das nossas praias urbanas é logo comprometido com a aperreação do péssimo atendimento em que lhe servem a cerveja quente sob uma temperatura quase insuportável no nosso verão tropical.

Sêneca, filósofo greco, tido como modelo do pensador estoico durante o renascimento, defendia a necessidade do ser humano compreender como opera a Natureza, e assim poder livrar-se do medo e dos aborrecimentos e contratempos que o afligem. Na sua ótica, durante a vida acontecem muitos sobressaltos tristes, horríveis, duros de se aguentar. Como não podemos afastar-nos deles, armei vossos espíritos contra todos e procurai suportá-los bravamente. “Nisto vós estais à frente de um deus: ele está à margem do sofrimento dos males, vós, acima do sofrimento. Desprezai a pobreza: ninguém vive tão pobre quanto nasceu. Desprezai a dor: ou ela terá um fim ou vos dará um. Desprezai a morte: a qual vos finda ou vos transfere. Desprezai o destino: não dei a ele nenhuma lança com que fira seu espírito. Antes de tudo, tomei precauções para que ninguém vos retenha contra a sua vontade; a porta está aberta: se não quiserdes lutar, é lícito fugir”.

A quietude da alma tem muito a ver com a natureza. Evidente que não se exige que o ser humano se isole da vida mundana para ter paz de espírito, porém um caminho é a natureza. Sêneca via-se como um sábio imperfeito: “Eu elogio a vida, não a que levo, mas aquela que deve ser vivida. Os afetos, como relutância, vontade, cobiça, receio, devem ser ultrapassados, pois o objetivo não é a perda de sentimentos, mas a superação dos afetos. Os bens podem ser adquiridos, à condição de não deixarmos que se estabeleça uma dependência deles”.

Recentemente vivi dois finais de semana distintos: em um deles fui à praia e para um desses shows característicos do verão, com muita bebida, jovens, música barulhenta e de letras impublicáveis; no outro, fui ao encontro da natureza, e desfrutei da tranquilidade e paz de espírito que o local me proporcionou.

Em ambos me fiz necessário estar presente. O primeiro não propriamente por mim, mas por ter filhas adolescentes e uma esposa que aprecia esse movimento intenso do verão. Explorei minha paciência para suportar o trânsito infernal, as filas para comprar bebidas, a música que parecia ressoar nos meus tímpanos como uma batida fora do bumbo e os preços escandalosos dos ingressos, bebidas e comidas. Todavia, no outro final de semana, me recompus, pois ao nos conectar com a natureza, estamos abrindo espaço para a paz interior, encontrando um refúgio de serenidade em meio à agitação do mundo moderno. É fato que o contato com a natureza nos livra do cansaço mental, nos deixa menos estressado por reduzir os níveis de cortisol, melhora nossa concentração e estimula nossa criatividade e; mesmo que não seja um fã de trilhas ou de apreciar o encontro do rio com o mar, seu corpo e mente sentem a necessidade do contato com a natureza, independente de idade, pois apesar de toda a tecnologia ultra moderna à nossa disposição somos animais e o contato com as formas naturais é a forma genuína e primitiva de expressarmos de maneira civilizada quem somos.

 

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1 Comentário

  • Reply Paulo Fernando Menezes Almeida 5 de janeiro de 2025 at 09:37

    Excelente texto! Amigo.

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