Por GILBERTO CARNEIRO
NA CRÔNICA anterior foi dito que a Quaresma foi criada pela Igreja durante a Alta Idade Média, período de 40 dias antes da Páscoa caracterizado pelo jejum e privação logo após as festas profanas do Carnaval. A ideia é que os cristãos, não apenas os foliões que se excederam nas festas momescas, reflitam e façam algum sacrifício privando-se de algum prazer do cotidiano, reservando sua atenção para as orações, comunhão com Deus e para com o próximo, na linha dos ensinamentos pregados por Jesus Cristo.
Uma das maneiras interessantes para se viver a Quaresma é dedicando tempo à leitura despretensiosa dos escritos bíblicos. Neste contexto, compreender como se deu ao longo da história da humanidade a formatação das Sagradas Escrituras é fundamental para a percepção do seu caráter não apenas sagrado, mas também histórico.
A Bíblia é um livro fantástico e começou a ser escrito no ano 1.000 a.C e só foi concluído no ano 200 d.C, levando 1.200 anos para tornar-se o livro pronto e acabado mais lido, traduzido e distribuído da história da humanidade. Foi escrito em três línguas diferentes; hebraico, aramaico e grego e em lugares distintos; grande parte na Palestina, outros pequenos livrinhos na Ásia Menor e outros tanto em Roma. Teve muitos autores e autoras, não se sabendo exatamente quantos, mas é possível afirmar que foram mais de uma centena. A Bíblia é composta por dois testamentos, o Antigo e o Novo, e contém a história da criação, a queda da humanidade, a vinda de Jesus Cristo e sua mensagem de salvação, entre outros ensinamentos. No contexto das religiões, sem embargo das outras existentes, a distinção entre Cristianismo, Judaísmo e Islamismo parece tênue, mas é apenas aparência, pois existe uma distância abismal entre as três religiões. A convergência reside no fato de acreditarem num único Deus, são monoteístas, porém divergem sobre a identidade do Filho de Deus: para os Cristãos é Jesus Cristo e se inspiram principalmente no Novo testamento; para o Judaísmo, a mais antiga, ainda espera a vinda do “Salvador” e utiliza a Bíblia do Antigo Testamento reconhecendo apenas os livros que foram escritos em Hebraico, enquanto para o Islamismo o filho de Deus é Maomé e sua orientação espiritual advém do Alcorão e não da Bíblia.
Mas por que existem várias versões da Bíblia? Simples, é que as traduções derivam de cópias de copias, pois não existe uma versão original do manuscrito das Escrituras Sagradas. Ao longo do tempo todos os autógrafos originais se perderam e as traduções confiáveis das Escrituras Sagradas basearam-se nas melhores e mais antigas cópias que existem e que foram encontradas graças às descobertas arqueológicas. Uma das mais conhecidas é a septuaginta, chamada assim pela tradição de que foi escrita por 73 sábios das doze tribos de Israel.
É na septuaginta que se encontra a Regra de Ouro da Bíblia, uma espécie de síntese de toda a Escritura. É antiga, de origem hebraica, mas com Jesus Cristo ganhou um novo significado. No famoso Sermão da Montanha Jesus disse: “Todas as coisas que querem que os homens façam a vocês, façam também a eles.” (Mateus 7:12; Lucas 6:31). A Regra de Ouro também pode ser dita nestas palavras: “Tratem as outras pessoas da mesma maneira que gostariam de ser tratados por elas.”
A Bíblia é um livro diferente de outros por ser um livro sagrado, tanto para o Judaísmo como para o Cristianismo. Mas dizer que é um livro sagrado não quer dizer que ele tenha uma origem fora da história ou que tenha caído do céu. Pelo contrário, a Bíblia tem esse caráter sagrado porque revela as lutas em favor da vida com dignidade e justiça para todos. O princípio básico do Socialismo é encontrado nas primeiras tribos de Israel, quando com mentes e corpos marcados pelas estruturas opressoras cananeias e egípcias, visando eliminar as grandes desigualdades sociais que haviam sofrido, vão desenvolver seus laços de solidariedade e princípios éticos procurando constituir sociedades sem concentração de terras, de poder e de riquezas. Muito tempo depois viria Jesus Cristo, o filho de Deus, com o propósito de restabelecer esses valores universais, usando os ensinamentos bíblicos e a regra de ouro para a defesa e promoção da vida, principalmente dos marginalizados que vivem à margem da sociedade.
Em tempos quaresmais, mas não apenas nesta época, a empatia no tratamento com o próximo seria uma forma de exercitar a regra de ouro bíblica desenvolvendo nossa capacidade de se identificar com a outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende.
1 Comentário
DR Gilberto, gostaria que voce comentasse como Jesus se mantinha naquela época, e os seus seguidores acompanhantes, pois, entretanto, por onde Ele passava, as pessoas abandonava o que tinha e OS seguiam. e Jesus não era pobre, de onde vei a riqueza, pois todos dependiam dele.