A peste chegara pior do que a seca de 77, que todos queriam esquecer. A terra queimou, rachou, ficou preta. Os açudes, riachos, rios, lagoas,todos secaram.Nem a Perdição agüentou o rojão.Secou também. Os mandacarus, iguarias salvadoras dos rebanhos, não deram venção à demanda. Acabaram nos dois primeiros meses do ano e assim bois,cabras, bodes, carneiros e porcos começaram a morrer enfileirados. Morriam que dava gosto aos cachorros e urubus, únicos que escaparam da seca. Os cachorros comiam os bichos mortos e os urubus os restos de carniça.
O povo, para não morrer, botou os pés na estrada.Levas de retirantes enchiam os caminhos. Parecia procissão de padroeira,aquele enxame de gente, homens e mulheres, mulheres buchudas carregando nos braços os pequenos de outros buchos, olhos fundos de desesperança, andando sem rumo na busca de uma Canaã que nunca alcançavam.
Alguns, mais renitentes, ficavam e eram mortos pelos morcegos chupões , que invadiam os casebres durante a noite e sugavam o pouco de sangue ainda existente nas veias esquálidas dos moradores, deixando-os só couro e osso.
Mas ficavam assim mesmo, fazendo coro ao verso do poeta sem nome que dizia
Na terra do meu patrão,
Tirando casca de angico
Sem calça, só de calção,
Com uma embira de jurema
Servindo de cinturão.
Padre Ibiapina, herói do sertão, que salvou anos antes o Açude Velho de uma enchente, levando o povo a carregar nos ombros sacos de terras e arbustos para tapar o rombo da parede, contou nos seus escritos que chegou em Princesa no ano da seca de 77 e foi chamado para dar extrema unção a um moribundo. Aproximou-se dele e, caridosamente, pediu:
-Filho, conte seus pecados…
E o quase morto, balbuciando:
-Padre, eu quero comer!” E morreu em seguida. (Do meu livro Peste e Cobiça)
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