Por GILBERTO CARNEIRO
É ARRETADO andar pelo Campus I da UFPB. É extraordinário. Vez ou outra, me pego, leve e solto, por seus corredores, relembrando meus tempos de vida acadêmica e prospectando oportunidades de aperfeiçoamento jurídico.
Numa tarde de outono, uma sexta-feira de sol, lá estava nas galerias das ciências jurídicas, porém neste dia havia algo a mais, uma razão especial para estar lá: presenciar a defesa da tese de DOUTORADO da minha espartana companheira, Ana Patrícia.
Sentado, observando a banca, aquietei-me e controlei minha ansiedade ao ver a segurança e domínio do tema que exercia ao fazer sua exposição. E enquanto discorria sobre o seu estudo científico lembranças inevitáveis foram resgatadas do túnel do tempo. Relembrei o dia em que nos casamos, o nascimento da nossa primeira filha, uma moça feita agora, universitária, exalando beleza nos seus 17 anos, vivendo os arroubos da juventude, e o nosso segundo diamante, a mais nova, com uma esperteza e vivacidade não muito comum para uma menina de 12 anos de idade. Dividindo a atenção entre a banca e as minhas memórias, não tive como não me orgulhar delas, dos meus três amores, três fortes mulheres que acordo e durmo convivendo diuturnamente, com seus fortíssimos temperamentos, suas especificidades e suas genialidades.
E a reflexão, sem desvelar da apresentação que avançava para o final, centrou-se no “calvário” literal que vivenciamos nos últimos quatro anos. De mim, tiraram quase tudo, destruíram quase por completo minha vida profissional, social e econômica, e em muitos momentos me senti incapaz de encontrar uma saída em direção à vida. Mas Deus soube mostrar-me que o “quase tudo” que não me sequestraram fez toda a diferença: o convívio com a minha família. Outros personagens foram importantes nesse percurso, como Gessy, nosso cachorro Bruce, meus familiares, meus sogros, Inacio e Carminha, e minha cunhada Ana Karla. O fato, é que fizeram muito para nos destruir, e ainda estão fazendo, mas estamos sobrevivendo, machucados, cheios de cicatrizes, porém vivos. Resilientes é o que temos procurado ser, preservando o verdadeiro companheirismo, enfrentando os problemas e adversidades da vida real em meio a discussões, contendas e diálogos necessários, fugindo das superficialidades e ostentações do mundo virtual, buscando a paz e harmonia que um dia nos permitiremos desfrutar.
E no meio desse caminho tortuoso uma pandemia, um isolamento de quase dois anos, um adicional de prejudicialidade a nossa saúde mental. Foram nessas circunstâncias adversas que minha aguerrida esposa elaborou a sua tese de Doutorado. Não foram poucas as noites em que se privou do sono. Incontáveis vezes acordei de madrugada e lá estava a luz do escritório acesa com ela debruçada sobre o laptop e um calhamaço de livros. A sua tensão era sobrecarregada pela escolha de um tema extremamente espinhoso na área dos direitos humanos, uma temática enigmática, que chega a ser invisível aos olhos da sociedade, e por sua invisibilidade, as dificuldades de acesso a informações nos processos judiciais em tramitação eram potencializadas. Todavia, mesmo enfrentando todas estas adversidades, conseguiu obrar um milagre e concluir a tese, e quando tive a oportunidade de ler o seu trabalho compreendi a importância da sua escolha e fiquei extremamente orgulhoso por entender que o resultado do seu minucioso estudo científico contribuirá com mudanças efetivas na sistemática de aplicação do segredo de justiça nos processos penais referentes ao famigerado e odioso crime de tráfico de pessoas.
E novamente voltei a atenção para a banca. A postura da doutoranda seguia firme, focando nos objetivos, resultados, decisões e implicações. Quando adentrou às conclusões, observei os semblantes dos membros e percebi meneios de cabeça positivos quase imperceptíveis. E veio o momento mais difícil, das arguições dos examinadores, Ulisses Reis, Gustavo Batista, Robson Antão e a Professora Doutora Ana Clara Montenegro, ausente por uma questão de saúde, tendo apresentado seu parecer por escrito, todos notáveis catedráticos cujo mister cumpriram diligentemente dissecando a tese, fazendo observações, questionamentos, perguntas, tudo atentamente acompanhado pelos olhos vivazes do orientador, magnânimo Professor Doutor pela Ruhr-Universität Bochum – Alemanha, Sven Peterke. Confesso que fiquei apreensivo, no entanto, o conhecimento aprofundado do assunto e a altivez da orientação recebida sobre o objeto da pesquisa permitiu a minha amada responder todas as arguições de forma satisfatória.
E chegou o momento mais esperado, aquele reservado para a deliberação. Após uma breve troca de impressões, houve o anúncio: – Habemus doctor, pronunciou o presidente da banca. A tese de Doutorado da minha esposa tinha sido aprovada com excelência. Restou a mim conter as lágrimas, envolvê-la em um abraço e respirar, respirar, congratulando-a pelo seu hercúleo esforço. Agora sim podemos chamá-la de Doutora, Professora Doutora Ana Patrícia Costa Silva Carneiro Gama.
4 Comentários
PARABENS, POR ESTAR VENCENDO AOS POUCOS ESSE CAMINHO TORTUOSO.
Que texto mais lindo de ler! Afaga a alma! Parabéns, Doutora Ana Patrícia !
Parabéns, Gilberto, pela família linda! Isso ninguém pode tomar de você.
Texto aveludado, poético e recheadode amor. Caro Gilberto, a estrada da é longa mas, tudo tem um fim. Vcs estão de parabéns. Apesar da adiversidade e da injustica, estao vencendo essa parada. Parabens para a Dra Patrícia, espero em breve, poder ler essa tese.
Parabéns a dra. Patrícia e a vc. Pelo amor incondicional expresso nesse texto.