Sem categoria

ALDO LOPES DE ARAÚJO:38 ANOS DE LITERATURA

15 de agosto de 2019

(*) Thiago Gonzaga

Se não existe literatura paulista, gaúcha ou pernambucana, há sem dúvida uma literatura brasileira manifestando-se de modo diferente nos diferentes Estados”.

Antonio Cândido, em “Literatura e Sociedade”.

Escritor nordestino dos mais representativos, Aldo Lopes de Araújo começou a escrever ainda muito jovem, e seus primeiros contos foram publicados em suplementos literários de jornais paraibanos no início dos anos 80. Ainda no começo da década, o escritor, natural da cidade de Princesa Isabel (PB) ganhou concurso literário promovido pelo Governo do Estado da Paraíba e foi incluído na antologia “Presença do Conto Paraibano” (1981), que trazia nomes como Políbio Alves, M. Pessoa Cavalcanti e Gilvan de Brito. É nessa década que ele vai estrear com “Lavoura de Olhares e Outros Contos” (1988), obra recebida com aplausos pela crítica paraibana.

Sobre o seu livro de estreia, escreveu o professor da UFCG, José Mário da Silva: “Lavoura de Olhares e outros contos, ficção invadida pelo sopro transgressor da poesia, ancora, recorrentemente, no porto melancólico de uma memória fraturada pelo desconfortável sentimento da perda. Aqui, a morte, sutilmente espreitando a tudo e a todos pelas frestas da lembrança doída, é personagem central dos microenredos engendrados por Aldo Lopes. A consciência viva da inflexível passagem do tempo responde pela focalização ziguezagueada de quem, hoje adulto, tenta olhar o mundo com as retinas incontaminadas do menino que se foi um dia, com a libertária fantasia de uma infância irrecuperável”. “As dilaceradas fraturas da memória, contudo, não eclipsam uma tonalidade de ternura e compaixão que nutre o narrador em seus intimistas embates com o real. Enfim, nas mãos hábeis do consumado artesão da palavra, que é Aldo Lopes, o conto paraibano ratifica a sua condição de portador de maioridade estética”.

Aldo Lopes de Araújo foi repórter e editor de cadernos de cultura de vários jornais, e continuou produzindo e publicando livros como “Solidão Nunca Mais” (1996) “Estátuas de Sal”, (2000). Paralelamente ao jornalismo e a literatura, concluiu o curso de Direito, advogou durante um tempo, passou em concurso público e veio exercer o cargo de Delegado de Polícia, no Rio Grande do Norte. Em seu segundo livro, “Solidão Nunca Mais” encontramos contos desenvolvidos com criatividade e extremo cuidado com a linguagem, narrativas instigantes, fortes, convincentes, onde a palavra é o elemento motivador principal. Destacamos os contos “Voo de Perdição”, “Era Uma Vez um Domingo”, “Mãe”. O conto que dá título à obra, “Solidão, Nunca Mais” (Editora Universitária), foi ganhador do prêmio “Novos Autores” de 1996, promovido pela UFPB.

No livro seguinte “As Estátuas de Sal”, novamente o autor nos traz contos, desta vez com temáticas variadas, bíblica, urbana, etc. Outro ponto a se destacar é o constante aprimoramento da escrita; observamos isto na reedição de alguns contos, trabalhados, reescritos. O nível de sua literatura é o de uma prosa corrente, firme, com uma poderosa força poética na linguagem. O conto que dá título ao livro é emblemático, além de “Sonhice”, “Adeus, Deus”, “Velório”. Apesar das atividades próprias da sua profissão, Aldo Lopes de Araújo continuou a escrever, e em 2005 venceu o principal prêmio literário do Rio Grande do Norte, o “Prêmio Câmara Cascudo”, com o livro “O Dia dos Cachorros”, que tem como mote principal a Revolta, também chamada de Guerra de Princesa, em 1930, um acontecimento que transformou e marcou a vida estadual e teve repercussão nacional. Tudo começou através de discórdias políticas e econômicas, envolvendo poderosos coronéis do interior do Estado da Paraíba e o governador eleito, em 1927, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque. O principal deles era o chefe político de Princesa Isabel, o “coronel” José Pereira de Lima, detentor do maior prestígio na região, que se tornou líder do movimento. Era a própria personificação do poder político.

O autor teve parentes que participaram dessa revolta, (Aldo é neto de Manoel Lopes, Ronco Grosso, um dos homens da confiança do Cel. José Pereira) recriou fatos, e os combinou com alguns subsídios do realismo fantástico, e da oralidade nordestina, em toda a trama, repleta de elementos e personagens com características psicológicas bem definidas, numa mescla de suspense, humor, moralidade, etc. Unem-se criatividade, conhecimento literário e histórico, transformando a sua narrativa em uma construção, que, podemos dizer, chega perto do que fizeram muitos escritores latino-americanos, do realismo mágico, não no sentido literal da fantasia, do fantástico , mas da intenção de dar verossimilhança ao irreal.

Ler Aldo Lopes de Araújo é gostar, sobretudo, de ouvir histórias. Nele, assim como nos regionalistas de 30, encontra-se o universal no regional, de modo marcante. Vale reforçar como já dissemos em outro ensaio, citando as palavras de Antonio Candido: “os melhores produtos da ficção brasileira foram urbanos”. Mas, ressalva o mestre: “Isto não impede que a dimensão regional continue presente em muitas obras da maior importância, embora sem qualquer tendência impositiva, ou de requisito duma equivocada consciência nacional”. “O Dia dos Cachorros” foi recebido com entusiasmo pela crítica e pelo público. Lançado pela Editora Bagaço do Recife, e depois na Bienal do Livro de Natal, foi amplamente divulgado, sobretudo nas capitais do Nordeste. O romance, inclusive, foi destaque da revista “Entre Livros”, de São Paulo, em que aparece, na coluna, “Eu indico”, ao lado da lista dos livros mais vendidos do mês.

O leitor se sente extremamente envolvido e inserido na narrativa do autor. E vale dizer também que, ainda que a maioria da sua ficção se passe no sertão, mais precisamente em Princesa Isabel, não podemos limitar Aldo Lopes de Araújo, ou melhor, rotulá-lo como escritor regionalista. Seria bastante clichê conceituá-lo dessa forma. Temos outros escritores brasileiros, como, por exemplo, Graciliano Ramos, da mesma linhagem de Aldo, que não é apenas regionalista, mas universal. Não podemos restringir a ficção de Aldo a pretexto de diferenciar o romance regionalista – rural – do urbano. Se o fizermos, dessa maneira estaríamos cometendo um equívoco. Grandes escritores de renome mundial também são ligados à terra-berço e falaram de suas localidades especificas, como o próprio Garcia Márquez, que era do interior, reportava-se ao interior, mas sua ficção é universal. O mesmo acontece com a narrativa de Aldo Lopes de Araújo, ou seja, ele apenas usa seu chão simbólico par desenvolver suas histórias.

Sobre o “A Dançarina e o Coronel” escreveu o jornalista e crítico literário Nelson Patriota: “Não é preciso enfatizar que esse novo romance de Aldo Lopes é tributário do realismo mágico consagrado pelo colombiano García Márquez com “Cem Anos de Solidão”, entre outros, fermento que vem azeitando inúmeros similares, com variados graus de êxito e muitos insucessos. Influência que, em si, não constitui um óbice, se lembrarmos que o princípio estabelecido por Harold Bloom e reiterado por outros críticos, assevera que nenhum autor cria a partir do nada; todo texto comporta seus intertextos, seus pré-textos etc.”.

No ano de 2006 Aldo Lopes participou da coletânea “Contos Cruéis: As Narrativas Mais Violentas Da Literatura Brasileira”. Como o próprio título sugere, trata-se de uma coletânea de contos que tem um foco muito preciso: a crueldade e a violência, tanto física quanto psicológica, no cotidiano dos brasileiros urbanos. O trabalho foi organizado por Rinaldo de Fernandes e publicado pela Editora Geração. “Neste livro a polifonia alcança resultados maravilhosos, que reafirmam a qualidade de nossos ficcionistas contemporâneos”, escreve Linaldo Guedes na apresentação do livro. “Contos Cruéis”. Além do organizador, vários dos autores participaram do lançamento, entre eles Lygia Fagundes Telles, Nélida Piñon, Luiz Fernando Emediato, Ignácio de Loyola Brandão, Marçal Aquino e Nelson de Oliveira.

No ano de 2007, Aldo Lopes de Araújo, publicou “Zé, a Velha e Outras Histórias”, livro de contos em que se confirmam as suas qualidades ficcionais. Em 2008, Aldo reescreveu o clássico conto “Uns braços” de Machado de Assis, para o livro “Capitu Mandou Flores”, (Geração Editorial) antologia que celebrou os 100 anos da morte do nosso maior escritor. Nela, reuniram-se, entre outros trabalhos, “contos recriados” por vários escritores brasileiros – todos baseados em textos originais do autor de Dom Casmurro – como Moacyr Scliar, Lygia Fagundes Telles, Hélio Pólvora, Deonísio da Silva, o próprio Aldo Lopes de Araújo, entre outros. Em 2010, Aldo foi distinguido pelo Ministério da Cultura com a “Bolsa Funarte de Criação Literária”, proposta de fomentar criações literárias inéditas. O autor concorreu com cerca de dois mil candidatos e recebeu prêmio do Ministério da Cultura pela obra intitulada ‘A Dançarina e o Coronel’, tendo alcançado primeiro lugar dentre os nordestinos.

Publicado em 2014, “A Dançarina e o Coronel”, contém uma narrativa que traz, novamente, como cenário, a cidade paraibana de Princesa Isabel, com histórias que praticamente se unem umas às outras, a cada capitulo, fazendo do livro uma espécie de romance sui generis. Consideramos “A Dançarina e o Coronel” uma mistura de ficção e fatos reais, numa obra que tem praticamente o mesmo nível qualitativo do romance anterior do autor, embora, em nossa opinião, seja menos envolvente. Nessa obra o autor paraibano demonstra uma grande concisão estilística e imensa habilidade para a narrativa ficcional com uma linguagem densamente poética. Algumas vezes o enredo é penalizado pela necessidade de recriar a paisagem quase como num quadro realista.

Em 2012, “O Dia dos Cachorros” foi relançado pela Bagaço, numa edição revista, ampliada e com ilustrações de cenas sertanejas, além de um estudo crítico de Carlos Newton Júnior e um texto de apresentação de Ariano Suassuna. Sobre o romance Ariano Suassuna anotou: “Tudo aquilo que repercutia no meu sangue tinha que repercutir como de fato repercutiu na minha literatura. E é com grande alegria, que vejo agora que ocorreu com Aldo Lopes algo semelhante ao que ocorreu comigo. Sendo ele neto de Manoel Lopes, o Ronco Grosso, Condestável do Reino de Princesa e homem de confiança do Cel. José Pereira, Aldo faz do seu romance O Dia dos Cachorros uma grande homenagem a todos aqueles que se uniram para fazer, de Princesa, um baluarte contra o autoritarismo da capital que queria impor aos líderes sertanejos, à força, uma visão de mundo inteiramente alheia à sua realidade — autoritarismo que foi decisivo, diga-se de passagem, para semear as discórdias que derramaram tanto sangue paraibano. ”

Para o escritor e professor Rinaldo Fernandes, Aldo Lopes de Araújo está entre os melhores escritores brasileiros contemporâneos, como: Miguel Sanches Neto, André Sant’Anna, Milton Hatoum, Luiz Ruffato, Maria Esther Maciel, Bernardo Carvalho, dentre outros. Em se tratando de escritores nordestinos, o pesquisador reforça que, atualmente, Aldo Lopes de Araújo merece grande destaque ao lado de Antônio Torres, Francisco Dantas, Ronaldo Correia de Brito, etc. pois consegue manter um diálogo rico, não raro original, com essa tradição do nosso romance regionalista, todavia, sem perder o caráter da universalidade.

Para Wellington Pereira, professor da UFPB: “Por que ler o romance de Aldo Lopes? Porque nele se encontra a simbiose entre a gramaticalidade da literatura urbana e a sonoridade da cultura oral, das imagens sonoras e das sonoridades imagéticas de nossos cantadores de viola. Ousaria dizer que a narrativa de Aldo Lopes de Araújo pede para que o leitor se situe numa outra margem dos realismos mágico e fantástico: o realismo mimético. Tudo é verdadeiro em seu romance e, o que não é, se faz recriação. Isso faz de A dançarina e o coronel, Recife, Editora Bagaço, 2014, um Bildungsroman (romance de formação) de nossos alumbramentos com as magias entre o campo e a cidade, como atesta Raymond Williams, um dos principais críticos da literatura ocidental”.

Bráulio Tavares, compositor, escritor, tradutor, poeta e ensaísta afirma: “A Guerra de Princesa é um dos grandes episódios épicos da história da Paraíba. Em 1930 o município de Princesa Isabel desafiou o governo do Estado, chefiado por João Pessoa, o qual tentava (muito compreensivelmente, do ponto de vista administrativo) evitar que o algodão paraibano fosse remetido direto para o porto do Recife, sem pagar impostos na Paraíba. A velha animosidade entre os coronéis sertanejos e os burocratas do governo precisou apenas dessa fagulha para pegar fogo. Princesa pegou em armas, declarando-se “Território Independente”, com hino, bandeira, o escambau, e foi atacada pelas tropas do governo. Em julho daquele ano, o assassinato de João Pessoa pelo líder sertanejo João Dantas, por motivos mais pessoais do que políticos, espalhou a guerra pelo resto do Brasil. O conflito ganhou outra proporção, os sertanejos entregaram as armas e Getúlio Vargas virou ditador”.

Comentando sobre “O Dia dos Cachorros”, Hildeberto Barbosa Filho, um dos maiores críticos literários na atualidade, afirma em carta ao autor, depois publicada: “Em que pese o pano de fundo histórico calcado na Guerra de Princesa, o Sr. não faz romance histórico, porém legítima narrativa de ficção, portanto com ampla liberdade de transfiguração estética de fatos e personagens, aliás o que me parece peculiar a formas artísticas como esta. Não que os episódios históricos deixem de integrar a economia do texto. Ao leitor bem informado será fácil identificar eventos e pessoas com suas incidências referenciais, embora estas incidências se diluam pela lógica interna da narrativa, a seu turno, muito mais comprometida com os apelos da imaginação e da fantasia criadoras do que com a verossimilhança estreita da realidade. É preciso, assim, que o leitor tenha cuidado: ao mergulhar nas águas revoltas dessa fabulação, assuma o bom senso de aceitar o pacto literário e se despir de suas vestes ideológicas. Até porque o perrepismo e o liberalismo estão mortos como eu! De outra parte, é curioso, e afirmo isto com o distanciamento crítico que minha singular condição me confere, como a literatura, senhora de caminhos inesperados para penetrar a geografia da realidade, pode nos ajudar a compreender melhor os fenômenos da história! ”

Hildeberto Barbosa Filho é um dos maiores entusiastas da ficção de Aldo Lopes de Araújo e desde a sua estreia na “Coletânea de Autores Paraibanos”, quando já afirmava que ele era um escritor consciente do seu metier, e um grande exemplo de como se faz uma prosa com economia verbal. Além dos pesquisadores e críticos citados anteriormente, vários escritores elogiaram a prosa de Aldo, como Carlos Newton Júnior, Walter Galvão, Sergio de Castro Pinto, Ângela Bezerra de Castro, Gonzaga Rodrigues, Humberto de Almeida, Paulo Bezerra, Antônio Barreto Neto, Ronaldo Cagiano Barbosa, dentre muitos outros.

No Rio Grande do Norte seus livros foram bem recebidos, e elogiados por intelectuais e literatos como Nei Leandro de Castro, Manoel Onofre Jr., Nelson Patriota, Woden Madruga, Humberto Hermenegildo de Araújo, Tácito Costa, Osair Vasconcelos, Demétrio Diniz, Tarcísio Gurgel, dentre outros. Aldo Lopes de Araújo participou de coletâneas publicadas no RN – “Humor no Conto Potiguar”, organizada por Manoel Onofre Jr., livro que tem como foco principal, autores nascidos ou radicados no Rio Grande do Norte, que tenham trabalhado o humor e o riso em suas narrativas; e “Novos Contos Potiguares”, organizada pelo jovem escritor mossoroense Thiago Jefferson Galdino, que trouxe, em sua maior parte, escritores experientes, com contos inéditos. Aldo também participou do livro “Impressões Digitais”, por nós organizado – coletânea de entrevistas revelando o pensamento de escritores sobre diversos assuntos.

Escritor, ainda, sem a projeção nacional que bem merece, Aldo Lopes de Araújo, sem dúvidas, é um dos principais nomes da literatura brasileira contemporânea. Em sua narrativa ficcional, destacamos relevantes aspectos não apenas do sertão nordestino em geral, mas da própria natureza e psicologia do homem sertanejo, afora outras temáticas. Aldo Lopes de Araújo é um hábil artesão da escrita, com seu texto enxuto, econômico de palavras, sabe dizer muito com pouco, cortando os excessos, até atingir a elegância precisa e característica, marca da sua ficção, onde a forma harmoniza com o seu tema. Não vemos diferença, por exemplo, da ficção dele para o que tem sido feito de melhor no Brasil, na atualidade; a única “diferença” é que ele não foi publicado ainda por uma grande editora, que possa fazer com que seus livros cheguem aos quatro cantos do país.

OBS. Texto extraído da Revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras 2018, n. 56 – Jul-SET

(*) THIAGO GONZAGA é escritor. Mestre em literatura comparada pela UFRN, autor de “Presença do Negro na Literatura Potiguar”, “Os Grãos – Ensaios Sobre Literatura Potiguar Contemporânea” e outros livros.

Você pode gostar também

Sem Comentários

Deixar uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.