Ramalho Leite
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, antes de se despedir da terra está brindando os brasileiros com a memória do seu governo. Pela espessura do primeiro volume que, revela fatos, apenas, do ano inicial da sua gestão, tenho a impressão que ainda gastará muito papel para contar o que viveu e com quem conviveu nos oito anos em que foi inquilino do Palácio do Planalto. A composição do ministério, as vinculações e exigências partidárias, as restrições pessoais aos indicados e os motivos da rejeição de alguns, são particularidades reveladas sem reservas de adjetivos. Fui em busca dos paraibanos que naquela quadra da política brasileira militavam em apoio à situação ou faziam parte da bancada de sustentação das ações governamentais. O primeiro paraibano a ser entronizado no primeiro time do tucanato em ascensão foi o nosso caboclinho Cícero Lucena, nomeado para a nova Secretaria de Políticas Regionais.
Conta FHC que o catarinense “Luiz Henrique insistiu num nome, aliás, numa solução, pois 51% da bancada do PMDB era nordestina, Cícero Lucena para o Ministério da Integração Regional”. Ao aceitar a sugestão revela que repeliu a maledicência ligada ao nome Lucena, por causa do senador Humberto Lucena, “primo do indicado”, em face da suspensão dos seus direitos políticos por utilizar a gráfica do Senado para a confecção dos famosos calendários. Justifica que aquele argumento “ não pode servir para afastar uma pessoa, até por que o senador terá lá os seus problemas de clientelismo mas é um homem honrado”. A escolha, porém, por questões meramente políticas, não foi bem acolhida pelos nordestinos, a exemplo da gente de Pernambuco e do Ceará que não desejavam a criação dessa Secretaria de Integração mas reforçar os órgãos regionais, a exemplo da SUDENE e SUDAM, assevera FHC.
Recebendo a visita do governador Antonio Mariz e dos senadores Humberto Lucena e Ronaldo Cunha Lima, FHC tratou com os “chefes paraibanos” antes mesmo de conversar com Cícero Lucena, como seria essa nova área do governo, com dupla ligação, uma ao Planejamento e outra a uma Secretaria Técnica composta por vários ministros e presidida pelo Chefe do Executivo. Cícero temeu o esvaziamento do órgão mas FHC rebateu: “Você vai definir com o Eduardo Jorge, Clovis Carvalho e Gustavo Kause as suas funções. As funções que quero de você são mais importantes. O importante não é ter cargo para nomear, é ter capacidade política de influir no conjunto do governo para que o nordeste e o norte tenham os recursos adequados para que nós minoremos as desigualdades regionais”. E assim foi feito, pelo menos foi essa a intenção.
Mas nem tudo eram flores no jardim palaciano. Quando pretendeu reformar a Previdência, o governo de FHC sofreu uma derrota fragorosa na Comissão de Justiça e, para isso, contribuíram os deputados do PP, que se diziam aliados, e a bancada da Paraíba. FHC conversara com Ney Suassuna, então relator da Lei das Patentes e que, se “no início atrapalhara bastante” estava disposto a dar um parecer equilibrado sobre esse assunto. Acertou com Ney o apoio da bancada. No final da conversa, Ney pediu a nomeação de um paraibano para o Banco do Nordeste mas, mesmo assim, não comandou os votos. Pior, além de votarem contra, os deputados paraibanos mandaram dizer, pelo líder da bancada, que queriam mais verbas para o ministério de Cícero Lucena. “Não tive duvida, liguei para o Lucena e cobrei dele”. Lamenta FHC que a conversa tenha sido publicada no dia seguinte no Jornal de Brasília. As testemunhas da conversa eram da mais absoluta confiança e, mesmo mandado investigar, não descobriu quem foi o indiscreto: “talvez o próprio Lucena”, desconfia. Mas confessa: “eu não queria que a conversa com Lucena tivesse vindo a público, para não constrangê-lo. Esse não é o objetivo e sim fazer com que se alinhe ao governo”.
Surgiram os pacificadores. FHC anuncia: em maio vou jantar com a bancada da Paraíba e, mais adiante revela: no fim do dia jantei com a bancada da Paraíba. Tempos felizes aqueles em que bastava encher o bucho dos parlamentares para angariar votos…
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