As primeiras do dia

As redes sociais estão repletas de mensagens apocalípticas, médiuns anunciam dias terríveis que estão por vir, vi uma loira fazendo previsões sombrias sobre pessoas e coisas, um verdadeiro terror foi instalado nas casas e nas ruas.

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Falam de um apagão capaz de zerar tudo, sugerem a estocagem de alimentos, até velas precisam ser estocadas, devidamente acompanhadas dos respectivos fósforos para afugentar a escuridão. Sem luz não haverá posto de gasolina funcionando, sinais de trânsito, desativados, não impedirão os acidentes, cadê a comida que sumiu das prateleiras?

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E o mar, com as geleiras derretendo, subindo de nível, invadindo as ruas, derrubando as casas, cobrindo os prédios? Tudo isso é falado, alguns escutam e acreditam, outros não, a fala entra por um ouvido e sai pelo outro.

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Eu já vivi um apagão de 10 anos. A luz elétrica da minha cidade era gerada por um motor a diesel pertencente a família de Zé Pereira. Certo dia o povo do coronel desativou o motor e Princesa mergulhou na escuridão.

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Quem tinha dinheiro, comprava a geladeira a gás, poucas existiam. Também se iluminavam com umas lâmpadas a ar e álcool, a grande massa, porém, se valia dos candeeiros a querosene Jacaré vendido nas bodegas da cidade.

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Foram dez anos de escuro,  de dormir cedo para uns, de varar madrugadas para os eternos boêmios egressos das sessões de raparigagem no  Cabaré de Estrela, que invadiam as ruas com seus murmúrios de paixão ao som do cavaquinho de Zé Birrim.

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Somente dez anos depois chegou a luz de Paulo Afonso, uma festa que durou dois dias, a banda de música subindo e descendo as ruas, parando nas bodegas para reabastecer os músicos de cachaça e tocando “Maria Bonita” a pedido do prefeito Gonzaga Bento.

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Agora imagine, leitor amigo, se o apagão acontecer mesmo. O que será de nós sem a bendita internet? E sem as novelas da Globo?Não falo nem da Netiflix, vive-se sem ela, mas sem a TV e sem o computador nossos dias serão péssimos, horrorosos, terrivelmente solitários.

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O pior é que o desenho ali na frente não nos anima a achar que tudo isso é “lêndia” ou “fricção”. Os preços estão subindo, ontem no supermercado eu vi o funcionário da maquininha de remarcar sair da tumba e voltar à vida com todo gás.

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A gasolina chegou a R$ 6,00, no Mercado da Torre o homem do coentro gritou “faz o L”, logo ele, que até dias atrás era o primeiro a  propagar as delícias da mesa, o sabor da picanha.

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Os devedores contumazes estão achando bom, não se sentirão obrigados a saldar os compromissos, dirão que o dinheiro está preso no banco, absoleto e inerte pela falta de energia.

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Eu já decidi :  vou me arranchar na Senzala de Vavá da Luz, lá a luz do sol é perene e tem tilápias no açude pra gente pescar, comer no almoço e tirar o gosto da cachaça.

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E de logo me ofereço para ficar na porteira de acesso cobrando as entradas dos que chegam atrás do famoso motel “Fujimori”, o único que oferece serviço aos fudedores na base do selffservice.

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Claro, todos entrarão a pé porque carro sem gasolina não anda.E eu só anotando os nomes de quem entra e de quem sai, para depois sair espalhando.

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Eu vou-me embora esperar o mercado abrir para abastecer o estoque de velas e fósforos.

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Seguro morreu de velho.

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Inté.