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23 de dezembro de 2019

Delação premiada é a palavra da moda. O delator, sempre buscando uma vantagem pessoal, delata antigos companheiros e sua delação ganha foro de verdade, é aceita como palavra final. E os delatados, presos com base nas informações do ambicioso e desesperado dedo-duro, são exibidos à execração pública e mesmo que mais tarde provem que são inocentes, nunca mais serão os mesmos.

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O Brasil sempre abrigou com carinho e afeto os delatores. Eles vêm de longe, dos ontens da vida.

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Foi numa carta datada de 11 de abril de 1789 que o coronel Joaquim Silvério dos Reis, da Cavalaria-Auxiliar dos Campos Gerais denunciou ao Visconde de Barbacena, governador da Capitania de Minas Gerais, a existência da conspiração que ficou conhecida como Inconfidência Mineira, e que tinha por objetivo tornar o Brasil independente de Portugal. No início da carta, Silvério justifica seu ato como consequência da “forçosa obrigação” que tinha “de ser leal vassalo” da então rainha de Portugal, Dona Maria I.

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Na verdade, ele negociou com a delação o perdão das dívidas que tinha com a Coroa. A Inconfidência foi derrubada e Tiradentes, tido como seu líder, foi enforcado.

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No dia 5 de agosto de 1954, o major-aviador Rubens Vaz foi assassinado com um tiro na rua Tonelero, em Copacabana. O alvo era o deputado Carlos Lacerda, principal opositor do então presidente Getúlio Vargas. O atentado gerou uma investigação militar. Descobriu-se o assassino, Alcino Nascimento, mas a delação de outro personagem complicará a situação de Getúlio. Em depoimento, Climério Euribes de Almeida acusa o chefe da segurança de Getúlio, Gregório Fortunato, de tê-lo contratado para matar Lacerda. O desfecho da crise: sentindo que seria deposto, Getúlio suicida-se com um tiro no peito.

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Juntei algumas opiniões de juristas e pensadores sobre a delação e o delator. Vamos a elas:

Paulo Cláudio Tovo: “A delação premiada de comparsa nos parece uma violação ética com perigosas consequências no mundo do crime (…). Este não é o verdadeiro caminho da Justiça, importa, isto sim, na confissão que o Estado não tem capacidade científica de chegar à verdade.”

Romulo de Andrade Moreira: “A figura da delatio já existe há algum tempo (diga-se de passagem, assegurando-se inquestionavelmente a vida do denunciante), como ocorre nos Estados Unidos (bargain) e na Itália (pattegiamento), entre outros países. São exemplos, contudo, que não deveriam ser seguidos, pois o que é bom para eles, não é, necessariamente bom para nós. Aliás, esta coisa odiosa de copiarmos o “que vem de fora”, “só porque vem de fora”, assusta-nos, principalmente quando são institutos e categorias importados de sistemas jurídicos completamente distintos, como o norte-americano.

Damásio de Jesus: “A origem da “delação premiada” no Direito brasileiro remonta às Ordenações Filipinas, cuja parte criminal, constante do Livro V, vigorou de janeiro de 1603 até a entrada em vigor do Código Criminal de 1830. O Título VI do “Código Filipino”, que definia o crime de “Lesa Majestade”, tratava da “delação premiada” no item 12; o Título CXVI, por sua vez, cuidava especificamente do tema, sob a rubrica “Como se perdoará aos malfeitores que derem outros á prisão” e tinha abrangência, inclusive, para premiar, com o perdão, criminosos delatores de delitos alheios.”

João Baptista Herkenhoff: “A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro. De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime. Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime.”

Romulo de Andrade Moreira: a traição demonstra fraqueza de caráter, como denota fraqueza o legislador que dela abre mão para proteger seus cidadãos. A lei, como já foi dito, deve sempre e sempre indicar condutas sérias, eticamente relevantes e aceitáveis, jamais ser arcabouço de estímulo a perfídias, deslealdades, aleivosias, ainda que para calar a opinião pública (ou publicada) ou satisfazer aos setores economicamente privilegiados da sociedade.”

João Ubaldo Ribeiro, após lembrar que as expressões “dedo-duro” e “dedurismo” surgiram ou generalizaram-se após o golpe militar de 1964, escreveu:

Os próprios militares e policiais encarregados dos inquéritos tinham desprezo pelos dedos-duros – como, imagino, todo mundo tem, a não ser, possivelmente, eles mesmos. E, superado aquele clima terrível seria de se esperar que algo tão universalmente rejeitado, epítome da deslealdade, do oportunismo e da falta de caráter, também se juntasse a um passado que ninguém, ou quase ninguém, quer reviver. Mas não. O dedurismo permanece vivo e atuante, ameaçando impor traços cada vez mais policialescos à nossa sociedade.” E, concluiu: “Sei que as intenções dos autores da idéia são boas, mas sei também que vêm do desespero e da impotência e que terminam por ajudar a compor o quadro lamentável em que vivemos, pois o buraco é bem, mas bem mesmo, mais embaixo.”

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3 Comentários

  • Reply De Assis 23 de dezembro de 2019 at 06:15

    Que conversa é essa pra Boe dormir, não existe delação para quem é ético e age dentro da moral administrativa, muitas pessoas passa para a população um atestado de falso moralista, não respeita o seu próximo. Quantas pessoas estão sofrendo por falta desses recursos desviados, que de uma forma ou de outra fossem aplicados de foma que atendesse a ética administrativa poderia não resolveria tal situação, mais certamente animizaria em muito o sofrimento dos menos favorecidos.
    A porcentagem de inocentes nesse mundo de falsos moralistas são mínimos quando se chega ao final de uma investigativo.
    Se alguém dever, tem que sofre as conseguencias por seus atos por não respeitar as leis 8.429/92, 8.666/93, bem como o Decreto 1.171/94. sendo que cada Mandato é chancelado pelo povo, por meio do sufrágio, o qual deve seguir as normas estabelecidas por nossa Carta Magna.

  • Reply Airton Calado- Campina Grande 23 de dezembro de 2019 at 11:35

    Sentimento de decepção, quantas vezes defendi esse cara RC, votei nele desde o tempo em que era deputado e o moralista fazer uma coisa dessa, sem palavras.

  • Reply Angela 23 de dezembro de 2019 at 19:27

    Outro dia, eu lí a “versão” de um historiador para a delação de Silvério dos Reis.
    Segundo ele, Silvério queria se vingar por causa de uma donzela que o desprezou
    para cair nos braços de Tiradentes. Então, o Silvério meteu o Tiradentes no meio
    de uma turma da qual ele era apenas amigo, e não partícipe do movimento.
    Tiradentes estaria mais para um Dom Juan, metido a bon-vivant.

    Se é verdade, eu não sei. Mas em se tratando de Minas Gerais, tudo é possível.
    Já afirmava o Ponte Preta.

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