Uma relação promíscua entre um membro do Judiciário e um representante do Ministério Público e a imediata soltura com cancelamento da sentença que condenou o ex-presidente Lula, são as medidas sugeridas pela Associação dos Juízes para a Democracia, em nota distribuída com a imprensa.
Leia, na íntegra:
A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD e ASSOCIAÇÃO LATINOAMERICANA DE JUÍZES DO TRABALHO – ALJT, entidades cujas finalidades abrangem, com destaque, o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, têm o compromisso de lutar, de forma intransigente, por uma democracia sólida e comprometida com a justiça, com a redução das desigualdades, com a dignidade da pessoa humana e com o fortalecimento da participação popular democrática e do bem estar da população, como exige a nossa Constituição, e por isso vêm a público manifestar-se diante das informações divulgadas pelo jornal The Intercept Brasil, na reportagem publicada na data de hoje, sobre comunicações realizadas entre o procurador federal Deltan Dallagnol e o atual Ministro da Justiça Sergio Moro.
As denúncias contidas em tal reportagem revelam que quando ainda exercia função de Juiz na operação Lava-Jato, o atual Ministro Sérgio Moro aconselhou, ordenou, e, em determinados momentos, agiu como órgão acusador e investigador, num verdadeiro processo inquisitorial. A notícia revela seletividade, discriminação e violações de direitos humanos e princípios constitucionais, algo que já vem sendo insistentemente denunciado por nossas entidades.
No curso dos processos que culminaram com a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, a fixação da elástica competência do órgão jurisdicional que concentrou os julgamentos relativos à operação Lava Jato, ao arrepio das normas processuais aplicáveis e do devido processo legal; o abandono do elementar princípio da congruência entre denúncia criminal e sentença e a não demonstração com prova robusta de todos os elementos constitutivos do tipo penal invocado na imputação, como no caso do ato de ofício para a caracterização de corrupção passiva, além de critérios ad hoc, exóticos e inéditos de dosimetria da pena definida, já indicavam a possibilidade, a probabilidade e a razoabilidade da percepção da prática de lawfare.
As denúncias trazidas a público na data de hoje confirmam isso, revelando uma relação promíscua e ilícita entre integrante do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Não há falar em Democracia, sem um Poder Judiciário independente, imparcial e comprometido com o império dos direitos humanos e das garantias constitucionais, sobretudo o devido processo legal e a presunção de inocência, para a realização de julgamentos justos, para quem quer que seja, sem qualquer discriminação ou preconceito, sem privilégios ditados por códigos ocultos e sem a influência de ideologias políticas ou preferências e crenças pessoais.
É absolutamente imprescindível e urgente, portanto, para o restabelecimento da plena democracia e dos princípios constitucionais no Brasil, a declaração de inexistência de todos os processos que se desenvolveram em razão da Operação Lava-Jato, inclusive daqueles que determinaram as condenações e a prisão do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, por flagrante violação ao artigo 254, IV, Código de Processo Penal e à Constituição da República.
A AJD e a ALJT, considerando que tais fatos não foram negados na nota expedida por Sérgio Moro, exigem a imediata soltura do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva e de todas as vítimas do processo ilícito relevado pelos diálogos que vieram a público na data de hoje, bem como a exoneração do Ministro Sérgio Moro e investigação dos integrantes do Ministério Público Federal referidos na aludida reportagem, atos essenciais para a retomada do Estado Democrático de Direito em nosso país, condição para a superação da crise político-institucional em curso e o retorno à normalidade democrática.
Brasil, 09 de junho de 2019.
3 Comentários
Do jornalista Leonardo Sakamoto:
“Bessias” diria que é a suprema ironia Moro reclamar de vazamento ilegal … – Veja mais em https://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/?cmpid=copiaecola
“A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado.”..
A frase não é da defesa de Dilma Rousseff, na época autoridade constituída, quando teve uma conversa telefônica com Lula interceptada e gravada pela Polícia Federal e divulgada pelo então juiz Sérgio Moro em março de 2016. Era o famoso caso do diálogo em que ela avisou que “Bessias” levaria o termo de posse de ministro-chefe da Casa Civil para o ex-presidente. Além do levantamento do sigilo telefônico, o que já era um problema em si, a conversa ocorreu mais de duas horas após o fim do período do grampo. Ou seja, sua captação e, consequente, utilização foram ilegais. O impacto da divulgação na época impediu a nomeação e contribuiu para deslanchar o impeachment no Congresso Nacional.
A declaração acima, na verdade, está na nota pública divulgada pelo Ministério Público Federal no Paraná, neste domingo (9).
Ela veio ao ar poucas horas depois do site Intercept publicar uma série de reportagens mostrando que o então juiz federal Sérgio Moro orientou ações da operação Lava Jato, via mensagens de Telegram, para o procurador da República Deltan Dallagnol. O Intercept afirma ter recebido uma massiva quantidade de informação, incluindo as cópias das trocas de mensagens, através de uma fonte anônima. Quem foi exposto reclama de ilegalidade na captura e divulgação de conversas privadas sem autorização judicial.
“A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras.”.
Quem escreveu isso não o MPF-PR neste momento, mas o então juiz Sérgio Moro, também em março de 2016, ao defender sua decisão de quebrar o sigilo sobre grampos que registraram conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula. Ao se justificar, Moro afirmou que o fim do sigilo “propiciará não só o exercício da ampla defesa pelos investigados, mas também o saudável escrutínio público sobre a atuação da administração pública e da própria Justiça criminal”
O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki pediu explicações a Moro. Este afirmou que compreendia que o “entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários”. Um pedido torto de desculpa. Mas, independente disso, Inês era morta e o impeachment já corria rápido..
As reportagens do Intercept mostram que Deltan Dallagnol e Sérgio Moro trocaram mensagens antes de levantar o sigilo sobre os áudios, tratando deles. E, diante da repercussão, conversaram sobre o caso novamente.
Dallagnol – A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Analisar coisas com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo que tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que estavam sendo tentados de todo jeito […].
Moro – nao me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está ruim..
“Ninguém deve ter sua intimidade – seja física, seja moral – devassada ou divulgada contra a sua vontade.” A frase continua sendo da nota do MPF, deste domingo, e não da defesa de Dilma ou de Lula.
Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, e a força tarefa da operação Lava Jato serão cobrados a dar mais explicações, não só pelas informações já divulgadas (que incluem tentativas de barrar a entrevista que Lula concederia à Folha de S.Paulo por medo dela ajudar a eleição de Fernando Haddad), mas também pela quantidade de material explosivo que o Intercept promete trazer a público.
E muito vai se especular sobre a identidade e as intenções de quem os hackeou – até porque há uma eleição para a Procuradoria Geral da República logo aí e muitos interessados em derrubar outros tantos.
O “interesse público”, que inegavelmente norteia a ação de divulgação do conteúdo pela imprensa neste domingo, que foi usado por tantos no passado para justificar tudo, agora será pelos mesmos criticado.
De antemão, contudo, não é possível ignorar a gigantesca ironia de ver Moro e a Lava Jato questionarem a legalidade de vazamentos que seriam frutos de “grampo” ilegal.
Perdoem-me os terraplanistas, mas realmente o mundo dá voltas.
DESDE MINHA DISTANTE ADOLESCÊNCIA SE DIZ QUE A PIOR ESPÉCIE DE BANDIDO É A QUE VESTE FARDA. AGORA, O QUÊ DIZER SOBRE QUEM VIOLA A LEI VESTINDO A TOGA OU OSTENTANDO AS INSÍGNIAS MINISTERIAIS ?
A MATÉRIA NÃO É RECENTE, NAS TRATA DE ASSUNTO ATUAL.
DO LE MONDE DUPLOMATIQUE BRASIL:
A MÍDIA ANTIPETISTA: QUEM ESTÁ POR TRÁS DO PORTAL “O ANTAGOMISTA”
Divulgação exclusiva de vazamentos de interrogatórios de Sérgio Moro, publicação de inúmeras notas curtas com ataques ao PT e atuação como assessoria de imprensa para a extrema-direita brasileira: o portal antipetista despontou como referência da mídia bolsonarista. Quem está por trás dele? As relações identificadas abrangem empresas norte-americanas e acusações de prática de crimes financeiros. Confira o oitavo artigo da série especial Proprietários da Mídia no Brasil
Nestas eleições de 2018, o portal O Antagonista ganhou destaque ao se prestar ao serviço de “assessoria de imprensa” informal da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. Como ele é um dos dez sites noticiosos brasileiros mais acessados em 2017, é pertinente investigar seu papel na ascensão da extrema-direita no país, assim como os interesses que motivam a empresa na defesa da candidatura de Bolsonaro e na construção de um imaginário antipetista no Brasil.
O site produz, em geral, notas curtas sem muitos dados e vídeos de comentários de pauta, sendo caracterizado pelo Google como “blog”. Ocupava a posição 279 do Ranking Alexa no Brasil em 2017, sendo o 9º site de conteúdo relacionado a jornalismo mais acessado no país, conforme revelou o Monitoramento da Propriedade da Mídia (Media Ownership Monitor Brazil), realizado pelo Intervozes e pela Repórteres Sem Fronteiras. Sua página no Facebook tem cerca de 900 mil curtidas, e seu canal no Youtube, mais de 400 mil inscritos. O Antagonista é uma referência muito citada por sites nos quais predominam fake news mantidos pela direita política, como “JornaLivre”, ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL), cuja página foi retirada do ar pelo Facebook por compor rede de fabricação de notícias falsas, e “O Implicante”, retirado do ar após denúncias de vínculo com políticos e acusações de corrupção.
Desde sua criação, a empresa tem se pautado pela construção social de um conceito de antipetismo junto ao imaginário público. Esse “antipetismo” é amplo e não direcionado apenas ao Partido dos Trabalhadores e seus líderes, mas também a diversas lideranças de movimentos sociais, à esquerda como um todo, ao pensamento progressista e mesmo ao jornalismo e outras instituições quando críticas a alguma postura dos representantes da direita – em 2018, em especial a Bolsonaro. O portal divulga todo tipo de conteúdo arbitrário de ataques a Lula, Dilma, Haddad, ao PT, aos movimentos como MTST e MST, ao amplo campo que atua em defesa de direitos humanos e sociais. Esses ataques são realizados sem que seja oferecido espaço ao contraditório e à pluralidade de vozes e de pensamentos. A trajetória profissional de seus integrantes remonta ainda à guinada ultraconservadora da revista Veja, durante o primeiro governo Lula.
Uma equipe antipetista: da Veja ao portal
O Antagonista foi criado em 2015 por Diogo Mainardi e Mário Sabino. Seus criadores vieram da revista Veja, da qual Mainardi foi colunista (1999-2010) e Sabino, redator-chefe (2004-2012).
A Veja, durante o período em que Sabino ocupou a chefia de redação, teve sua linha editorial marcada pelo antipetismo e pela guinada ultraconservadora, com ataques constantes aos governos Lula e Dilma. Sobretudo à época, Mainardi escreveu inúmeras críticas a Lula – incluindo o livro Lula é minha anta, de 2007 –, ao governo, à esquerda política e ao PT. Mainardi segue a mesma linha discursiva em suas participações no programa de debates Manhattan Connection, da Globo News, também de linha editorial conservadora, e nos textos que escreve para O Antagonista.
Mainardi, vale lembrar, foi mencionado em telegrama do WikiLeaks como fonte do cônsul norte-americano no Brasil, comentando conversas com o então candidato a presidente José Serra (PSDB), em 2010. Já foi acusado de fazer lobby empresarial ao banqueiro Daniel Dantas e processado por calúnia e difamação diversas vezes, chegando a ser condenado nos casos de ofensas aos jornalistas Franklin Martins (ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência) e Paulo Henrique Amorim (Record TV e blog Conversa Afiada).
O cotidiano do portal O Antagonista é comandado pelo jornalista Cláudio Dantas, que se apresenta como alguém que “se especializou em caçar corruptos” e que teria contribuído “com algumas das principais denúncias que ajudaram a Lava Jato a prender Lula”. Alinhado à mesma ideologia, ingressou na equipe Felipe Moura Brasil, ex-blogueiro antipetista da Veja. Moura Brasil organizou um livro do escritor conservador Olavo de Carvalho (“O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”) e ganhou visibilidade na direita com análises do tipo “Como o socialismo arruinou meu país”. Tem um programa de comentários políticos na rádio Jovem Pan, que dividia com Joice Hasselmann, recentemente eleita deputada federal pelo PSL de São Paulo, e Augusto Nunes, colunista da revista Veja e ex-apresentador do programa Roda Viva (da TV Cultura de São Paulo). Em todos esses espaços, o discurso antipetista e a defesa da candidatura Bolsonaro predominam.
Entre janeiro e setembro de 2017, o site teve ainda a participação da jornalista Madeleine Lacsko, que editou a TV Antagonista. Madeleine trabalhou na Jovem Pan, na Rádio Justiça e integrou a equipe de comunicação do STF na gestão de Gilmar Mendes, além de ter sido assessora do deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB-SP). A equipe de O Antagonista conta ainda com os jornalistas Diego Amorim, ex-blog do Noblat, e Rogério Ortega, ex-Folha de S.Paulo. Recentemente, a empresa lançou a revista Crusoé, comandada pelo também ex-Veja Rodrigo Rangel.
Empiricus e The Agora: controle norte-americano e vínculos com o mercado financeiro
Conforme o levantamento do Media Ownership Monitor de 2017, a propriedade do site é dividida assim: 50% pertence à empresa Empiricus Research, 30% a Diogo Mainardi e 20% a Mario Sabino. A Empiricus, por sua vez, tem como sócios o grupo The Agora, Inc. (de Baltimore, Estados Unidos) e a empresa brasileira Sextus Empreendimentos e Participações, de propriedade de Caio Cesar de Arruda Mesquita, Felipe Abi-Acl de Miranda e Rodolfo Cirne Amstalden. A The Agora é uma holding fundada em 1978. Ela opera uma rede de publicações de finanças, saúde e viagens, entre outros temas, focados especialmente em newsletters.
A Empiricus Research, por sua vez, é uma consultoria especializada na venda de informações por meio de newsletters. Possuía, no ano passado, 180 mil assinantes. Seus criadores defendem o “politicamente incorreto” e usam estratégias controversas de promoção. A empresa ganhou projeção após o vídeo “O fim do brasil” (de 2014), patrocinado para exibição nas redes sociais e anúncios do Google. No vídeo, era traçado um cenário desastroso para a economia nacional, com ataques às políticas mantidas pelo então governo de Dilma Rousseff. O vídeo foi uma versão brasileira da peça “End of America”, da norte-mericana Stansberry Research (também operada pelo grupo The Agora).
Os anúncios pagos pela Empiricus no Google e Facebook utilizam como estratégias de promoção e de atração de clientes ataques a governos de esquerda e outras provocações políticas. Entre os exemplos de promoção do antipetismo constatados na eleição presidencial de 2014 estavam “Se proteja se a Dilma ganhar” e “E se o Aécio Neves ganhar? Que ações devem subir se o Aécio ganhar a eleição?”. Essas propagandas, realizadas durante o período eleitoral, tiveram contra si liminar suspendendo a veiculação, mas acabaram liberadas em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao ser acatada recomendação do ministro Gilmar Mendes.
Em outra ocasião, a Empiricus usou um banner da ex-presidente da Petrobras Graça Foster com a pergunta “Trunfo ou Mico? É hora de comprar?” e, na proximidade da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, “Onde investir se a Dilma sair”. A Empiricus oferece boletins gratuitos (“Mercado em 5 Minutos”) e assinaturas mensais de boletins pagos, com vários planos. Como o negócio é de newsletters, o público assinante dos boletins de O Antagonista é estratégico para o negócio.
Em 2012, a empresa foi condenada pela Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) por ter chamado o diretor de Relações com Investidores da Marfrig de “executivo metido a besta e enólogo de araque”. Outros anúncios na internet, como “LUCRE 41 POR CENTO EM APENAS 40 DIAS” e “COMO TRANSFORMAR R$ 1.000 EM MAIS DE R$ 150.000 EM 32 DIAS” renderam processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na própria Apimec, além da abertura de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF). Há um ano, seus analistas foram suspensos pela Apimec. Desde então, travam uma disputa com a CVM. Por conta disso, a empresa mudou seu registro de consultoria de investimento para empresa de comunicação, e parece ter assumido os problemas éticos de sua atuação no mercado financeiro como padrão de sua atuação jornalística.
Há um simbolismo evocado pela associação dos nomes das empresas. Sextus Empiricus foi um filósofo grego que viveu em torno do século II e que se tornou conhecido como principal sistematizador do ceticismo pirrônico, que envolve não manter quaisquer crenças sobre assuntos filosóficos, científicos ou teóricos – e, de acordo com alguns intérpretes, absolutamente nenhuma crença, ponto. Vale destacar que esse entendimento dialoga com um cenário onde parte das estratégias do crescimento da extrema-direita global está ligada à criação de um sentimento de desconfiança a respeito da produção jornalística, baseada fundamentalmente na profusão de notícias falsas.
O Antagonista, Bolsonaro e o antipetismo nas eleições
Bolsonaro chegou ao segundo turno das eleições amparado em uma estratégia de produção massiva de fake news, elaboradas com requinte técnico, manipulação de fotos e conteúdo fortemente antipetista, distribuídas nas redes sociais e, principalmente, em grupos de WhatsApp. Enquanto são apuradas as denúncias de que tais distribuições massivas foram pagas por empresas apoiadoras do candidato, o que configuraria uso de recursos de Caixa 2, no portal O Antagonista, a denúncia do esquema de difusão de mentiras foi tratado como “autolesão de Haddad” e como crime eleitoral da Folha de S.Paulo. O tom das críticas chega a acusar a campanha do Haddad de ser uma farsa e denunciar que “Haddad seria a própria fake news”.
Cabe lembrar que o imaginário que sustenta a candidatura Bolsonaro não vem apenas do período eleitoral. É fato que as eleições de 2018 aprofundaram o momento vivido pelo Brasil de grave ameaça ao Estado democrático de direito, em meio a uma intensa crise política-institucional. O desencanto com o espaço político tem se mostrado suficiente para que uma parcela significativa do eleitorado brasileiro se enrede nas facilidades oferecidas por um discurso de ódio em franco diálogo com o fascismo. Infelizmente para o futuro do país e de sua gente, uma desejável ruptura com o establishment tem sido confundida por este eleitorado com uma ruptura com a própria democracia. Tal comportamento vem sendo reforçado por uma postura discricionária da mídia nacional na cobertura das atuais eleições e dos fatos políticos em geral. Tais empresas agem conforme seus interesses privados econômicos e políticos imediatos. O caso de O Antagonista é um exemplo emblemático da contribuição da mídia para o momento que estamos vivendo.
Estão presentes nas notas publicadas pelo veículo durante as eleições todos os elementos do antipetismo e da perseguição à esquerda, seguindo desvios éticos realizados por seus sócios no mercado financeiro – de apelos sensacionalistas à ausência de evidências para as acusações. Publicaram, com tons de indignação, que “Lula se recusa a apodrecer na cadeia” e que “o fim do petismo começa nas universidades” – defendendo ações arbitrárias de censura a atividades diversas realizadas nas universidades públicas no processo eleitoral, com notas intituladas “Como esmagar o petismo”. O coordenador do portal chegou a afirmar que o segundo turno deveria ser o dia de “enterrar o PT”, repetindo os discursos do candidato que representa. As notas lembram uma grande caixa de comentários em forma de portal.
Além disso, ao não oferecer espaço ao contraditório, portando-se como uma assessoria informal da candidatura do PSL, e distorcer a cobertura das eleições, O Antagonista atua nos esforços para melhorar a imagem Jair Bolsonaro, facilitando sua aceitação pela opinião pública, suavizando ou ocultando seus discursos impregnados de autoritarismo, princípios fascistas, pregando a intolerância e a violência contra as minorias e os “inimigos declarados” – notadamente o PT, os movimentos sociais e qualquer tipo de ativismo ou divergência política aos interesses da direita. Ao atacar e incluir como alvos do “antipetismo” qualquer forma de dissenso, validando o discurso bolsonarista de ofensiva aos “vermelhos”, o portal ataca a democracia.
Claro que não foi só O Antagonista que participou desse processo. Durante a cobertura das eleições de 2018, especialmente em meio ao segundo turno do pleito para a Presidência da República, a mídia brasileira adotou uma postura subserviente às imposições do candidato Bolsonaro, deixando de realizar debates com a recusa de participação deste e, ao mesmo tempo, oferecendo espaço para a realização de entrevistas com ele, o que colaborou para esvaziar a comparação entre propostas e planos de governo. A despolitização da campanha eleitoral também foi produzida pela mídia ao nivelar os atos da militância de ambos os candidatos, como se ambos os lados praticassem agressões físicas de modo semelhante e realizassem as mesmas ameaças. Depoimentos dos próprios candidatos e as notícias sobre atos de violência publicadas pela mídia evidenciam que tais agressões, que os ataques à liberdade de expressão e de imprensa e a apologia à censura e à tortura são de exclusividade da candidatura de Bolsonaro. A recusa da mídia em denominar o candidato como representante da extrema-direita também é parte da desinformação eleitoral.
Se parte da mídia nacional permite esse processo por omissão ou táticas sutis de manipulação, no caso do portal O Antagonista, há um protagonismo na construção de um imaginário popular favorável a Bolsonaro e da difusão do discurso antipetista, com pouca base jornalística. As mesmas práticas sensacionalistas e a mesma falta de rigor que marcam as ações de seus sócios do mercado financeiro, inspirados nos donos norte-americanos, são amplamente utilizadas no portal.
Participaram da construção desse imaginário antipetista desde os veículos tradicionais de comunicação até redes articuladas de perfis falsos em redes sociais de extrema-direita – algumas delas desativadas pelo Facebook em 2018 – e a mídia voltada particularmente ao antipetismo, da qual O Antagonista é, provavelmente, o principal representante. Todas essas mídias colaboraram, à sua maneira, para a difusão do ódio à política e à esquerda e para o reforço de um discurso punitivista seletivo. Entre as vítimas, a democracia.
*André Pasti é mestre em Geografia, professor do Cotuca/Unicamp, integrante do Conselho Diretor do Intervozes e coordenador da pesquisa MOM-Brasil; e Luciano Gallas é pesquisador do MOM-Brasil, jornalista, mestre em comunicação e integrante do Intervozes.