Recém saídos da Faculdade de Direito, os advogados Venâncio Viana de Medeiros Filho e Richomer Barros da Nóbrega, ambos egressos de famílias tradicionais, intelectuais e ligadas às lides judiciais da Paraíba, foram receber o batismo de fogo logo em Serra Talhada, terra natal de Lampião, no sertão de Pernambuco.
Ambos contando com pouco mais de 20 anos, estagiavam no escritório do famoso jurista Roberto Costa de Luna Freire e eram considerados boas promessas no campo da advocacia. Por isso Roberto Costa não pensou duas vezes antes de manda-los a tão espinhosa missão.
O escritório fora constituído fazia pouco tempo para defender os interesses de um comerciante daquela cidade, que entrara em guerra com a própria família, família braba, tipo cobra engolindo cobra, daquelas que sangravam o inimigo e bebiam o sangue.
Saíram de João Pessoa num Chevette, passaram em Princesa e pegaram o constituinte que lá estava residindo, o constituinte convocou dois experientes pistoleiros e, armados até os dentes, seguiram para Serra Talhada.
Estrada de barro, poeira enchendo o céu, o chevetinho só faltava se desmanchar na buraqueira, um percurso de apenas 30 quilômetros feito em mais de duas horas de pé dentro.
O calor de 40 graus juntava as pessoas debaixo de duas grandes algarobas que cobriam a entrada do Forum. O Chevette parou cantando os pneus, o comerciante, antes de descer, entregou os revólveres dos pistoleiros para os advogados guardarem e, feito isso, foram a procura do juiz, deixando o carro sob a guarda dos seguranças.
Começa a audiência. O ambiente estava tenso porque o constituinte dos dois advogados paraibanos dera um tiro na irmã fazia duas semanas. A pobre estava grávida e quase morreu com menino e tudo.
No meio da conversa, um sargentão comandando um pelotão de soldados irrompeu na sala. Queria revistar os advogados e o constituinte, porque um desafeto deste, ao ver o carro com dois pistoleiros dentro, avisou à polícia. O juiz engrossou o gogó e não houve a revista. Em compensação, os pistoleiros foram presos, porque, além dos dois revólveres, transportavam duas espingardas calibre 12. Porte ilegal de arma na hora, era tudo o que o delegado queria.
Naquela altura dos acontecimentos, Doutor Richomer tremia mais do que vara verde, e há quem diga, embora surjam contestações, que Doutor Venâncio começou a ficar careca nessa viagem.
O certo é que todos, advogados e constituinte, saíram do Forum direto para a Delegacia com a missão de arbitrar fiança para soltar os presos.O delegado, inflexível, dizia que não ia arbitrar fiança coisa nenhuma, os advogados contra-argumentavam, dizendo que moravam longe, que eram de João Pessoa, essas coisas de advogado conversador.
O delegado resolveu interrogar os presos antes de decidir. O mais velho deles, Seu Euclides, tido e havido como o mais matador, falou com a voz mansa:
– Eu, doutor, sou um velho, não faço mal a ninguém. Só sirvo para assustar menino e carregar recado. Onde já se viu eu e meu amigo aqui, homem decente, da roça, sermos pistoleiros? Nunca matei, nem ele matou, uma rolinha na roça.
O delegado, sensibilizado, arbitrou a fiança em três salários mínimos. Já liberava o grupo quando Seu Euclides, demonstrando preocupação, principalmente depois de ouvir o delegado dizer que a cidade estava infestada de pistoleiros, que participavam da festa da padroeira atirando para o alto para desocupar as mesas dos bares, exigiu:
– Doutor, se a coisa está assim, então a gente só sai daqui escoltado.
E foram embora assim, uma viatura com a sirene ligada na frente, o Chevette no meio e outra com a sirene ligada na retaguarda.
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