Manoel Alencar
Angelus Novus, de Paul Klee. Na gravura, o anjo da história se desloca para frente, mas com os olhos voltados para trás. De interpretação, não se pode avançar na historia sem levar em conta o passado.
Ao aparente clichê se adiciona a leitura da oitava tese sobre a história de Walter Benjamin, “A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade”.
Particularizando à caótica realidade brasileira pós 2013, a exceção como paradigma emergiu da rasa vala em que fora enterrada. Ressuscitando em meio a um povo amorfo e entusiasta à anomia, encontrou terreno fértil para sua sobrevida.
A violência institucional, o voluntarismo político são inerentes ao exercício do poder. A Modernidade, como bem sabemos, trazendo a promessa da racionalização do poder político e da garantia de direitos fundamentais, foi ela própria fagocitada pelo arbítrio, que passou a ser exercido de uma maneira mais fina e, por que não dizer?, elegante.
Ainda violência, afinal.
O estado de exceção se aplica contra a normalidade, normalidade essa que não realizada para além dos volumes dos contratualistas.
No Brasil, o império político-democrático que resultou pela primeira vez em conquistas sociais efetivas, ruiu frente às perdas especulativas, dando vez a um acordo generalizado, inclusive com o STF, que busca desregular completamente as possibilidades de controle social do patrimônio público.
Eis o passado recente de exceção ao qual o anjo da história observa.
Nesse percurso Bolsonaro é eleito Presidente sem apresentar qualquer proposta séria para o país, impondo seu fetiche sádico aos quem julga como o outro.
Um governo sem seriedade, sobrevivendo com constantes crises por ele mesmo provocadas. A democracia dança, de sombrinha, em ima corda bamba sustentada pelos fiadores do Presidente.
Não se vislumbra qualquer mínimo sucesso material na gestão bolsonarista, restando ao povo se contentar com o sobejo dessa batalha.
Fala-se em impeachment, mas com o cadáver ressuscitado ascensão em sua forma, sua morte me parece impossível.
Ao analisar a trilogia Matrix, Slavoj Žižek, após apontar as inúmeras inconsistências nos filmes, aponta a uma única interpretação razoável à obra: o da impossibilidade de destruição das máquinas, mas, quando muito, uma negociação que propiciará um adiamento a mais uma investida de controle e violência.
Uma prorrogação com a Matrix brasileira – ou com suas “forças e interesses contra o povo” – sucedeu após o suicídio de Vargas que, dada a comoção nacional, postergou um golpe já em curso. A conta veio com o golpe de 1964, e mais uma negociação ocorreu em torno da Constituição de 1988.
Talvez sem consciência, a eleição de Bolsonaro cobrou novamente a conta.
Não se sabe da competência ou da destreza do Presidente em liderar mais um golpe, ou permitir que outros o deflagrem. Mas existir essa possibilidade é algo ja real.
Aos que resistem, talvez não haja possibilidade de negociação e, casa o haja, nada mais será do que uma negociação, que novamente irá enterrar um cadáver já tantas vezes ressuscitado.
A outra possibilidade é a de aniquilar as máquinas, libertar o povo e gozarmos o paraíso perdido.
1 Comentário
O guru já “profetizou” que é muito tarde para a ” salvação “.
Que não seja mais uma fake news!