Por GILBERTO CARNEIRO
O MEU amigo me ligou exasperado. Estava com dívida no cartão de crédito e, sem que tivesse autorizado, fizeram um parcelamento no crédito rotativo. Devia pouco mais de 800 reais em um cartão de crédito do banco Bradesco, bandeira ELO, e pelo parcelamento, pagaria 24 parcelas mensais de 37 reais. Até aí tudo bem. O fato que o revoltou foi a cobrança, posterior, dos encargos incidentes pelo uso do crédito rotativo, absurdos 3 mil 768 reais, de juros e taxas, parcelados em 24 meses, cada parcela no valor de 157 reais.
A princípio, quando identificou em sua fatura o parcelamento da dívida de pouco mais de 800 reais em 24 parcelas mensais de 37 reais, exultou-se com a atitude da operadora do cartão. No entanto, como diz o velho provérbio, “esmola demais o santo desconfia’ e, na fatura seguinte, estava lá o resultado da “benevolência”, 400% de juros; ou seja, de uma dívida originária de 800 reais pagará em 24 meses o valor de 4.568 reais, quatro vezes mais. – “isso é o que? É livre mercado? É a livre atividade econômica? Isso tem outro nome: “CAPITALISMO SELVAGEM”. – bradava meu amigo ao telefone.
Esta é a lógica da exploração dos menos favorecidos pelo capital das grandes empresas do mercado financeiro, de empresas que fazem uso de um comportamento abusivo para com o consumidor, considerando que a maioria dos cidadãos que está com dividas no cartão de crédito contraíram essas despesas para compra de alimentos.
Por isso foi muito bem recebida pela sociedade a proposta do governo LULA de limitar, em até 100%, os juros dos créditos rotativos de operadoras de cartões de crédito, o que, diga-se de passagem, continua em um patamar altíssimo. Embora a medida tímida esteja longe de dar um fim nos abusos preponderantes no mundo virtual do dinheiro de plástico, não deixa de ser um avanço, tanto que logo apareceram os “Chicagos Boys” – os liberais da Escola de Chicago, da qual o governo de Bolsonaro era adepto – defensores incondicionais do mercado financeiro, acusando o governo de estar se imiscuindo na livre iniciativa privada.
O grande gargalo em países como o Brasil é que as empresas são fortes, mas muitas delas, não inovam, não se reinventam. Existe uma inércia e preocupação excessiva com os ganhos, do lucro pelo lucro, não todas, mas a maioria converge neste modelo parasitário, passando por cima de tudo; da visão inclusiva, do crescimento sustentável e do respeito à dignidade humana. E o pior, agem desta forma nociva com a anuência de parcela dos nossos representantes no Parlamento, como aconteceu essa semana, quando a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, aprovou uma proposta de emenda constitucional para comercialização de órgãos humanos, e para vergonha dos paraibanos, a autoria da relatoria desta famigerada PEC foi de uma conterrânea nossa, da senadora Daniela Ribeiro – PP. A ilustre parlamentar, na ânsia de atender interesses de grandes conglomerados da indústria farmacêutica, desprezou o bem maior do ser humano, a vida, que não é negociável, todavia a sociedade está reagindo de forma veemente a esta proposta, se mobilizando por todos os meios possíveis para que o sangue dos cidadãos brasileiros não seja mais um combustível queimado pelas engrenagens do capitalismo.
Essa visão míope do nosso empresariado, na sua maioria, de falta de inovação e de transformação, é tão acentuada que abrange até setores consolidados, como a siderurgia. A Alemanha hoje tem o aço mais verde do mundo, não por ter decidido que seria assim, mas por precisar ser verde para conseguir dinheiro do governo. É uma parceria simbiótica entre governo e empresariado em vez de uma parceria parasitária.
Estudo da economista italiana Mariana Mazzucato sobre o cenário econômico do Brasil revela que: “o importante não é ter um Estado grande ou pequeno, o que faz diferença é um investimento público inteligente, estratégico e orientado, que catalisa o investimento privado, mas para isso é preciso saber qual é a direção que está sendo tomada em relação ao bem-estar e à sustentabilidade, para depois redesenhar empréstimos, concessões e subsídios. Não basta distribuir dinheiro para as empresas”.
Ora, nesta linha de raciocínio, é claro que o dinheiro público só deverá ser usado por aqueles que não consigam obter o dinheiro privado, pois é preciso ajudar a promover um ecossistema competitivo inovador, em que pequenas e médias empresas estejam dispostas a trabalhar em torno de temas, como saúde, clima, digitalização e a preservação da Amazônia. Encontrar uma forma de construir um ecossistema simbiótico de público e privado é muito importante para qualquer governo progressista. O agronegócio no Brasil precisa incorporar a cultura do respeito ao meio ambiente contribuindo com maneiras eficazes de mitigar suas emissões de carbono, introduzindo métodos sustentáveis no seu sistema de produção e, assim, favorecer o seu próprio setor mediante o acesso irrestrito ao mercado de compra de créditos de carbono.
O meu amigo era um ferrenho defensor da liberdade irrestrita do mercado, mas quando sentiu na pele, durante a pandemia, que só o Estado seria capaz de lhe fornecer vacina contra a COVID, gratuita, eficaz e universal, passou a mudar de ideia e, estes fatos agora, da comercialização de órgãos humanos e dos juros escorchantes do cartão de crédito, consolidou sua mudança de opinião para defender a necessidade do Estado intervir, em algumas situações, para regular o chamado “mercado”, colocando um freio neste modelo voraz concentrador de renda e de exploração econômica dos menos favorecidos.
Sem Comentários