O cangaceiro Antonio Silvino nasceu Manoel Batista de Morais. Adotou o Antonio após assumir o comando do bando até então chefiado pelo seu tio Silvino Aires Cavalcanti de Albuquerque, preso perto de Samambaia, distrito de Custódia no Pernambuco, pelo Capitão Abílio Novais.
O Manoel que virou Antonio nasceu no dia 2 de novembro de 1875, em Afogados da Ingazeira, cidade situada às margens do Rio Pajeú das Flores, sertão pernambucano. Era filho de Francisco Batista de Morais e de Balbina Pereira de Morais. Tinha dois irmãos, Zeferino e Francisco, que com ele também ingressaram no cangaço.
Foi como Antonio Silvino que Batistinha, nome carinhoso que Manoel ganhou na adolescência, passou a ser, também, conhecido como “Rifle de Ouro”. Um pouco antes de Lampião, ele representou o mais famoso chefe de cangaço, substituindo cangaceiros célebres tais como Jesuíno Brilhante, Adolfo Meia-Noite, Preto, Moita Brava, o tio – Silvino Aires – e o próprio pai – Francisco Batista de Morais (conhecido como Batistão).
Batistinha havia entrado no cangaço com o seu irmão, Zeferino, para vingar a morte do pai, Batistão do Pajeú, morto em combate com a polícia. Batistão era um homem provocador, um bandoleiro, bastante marcado pela polícia e autor de vários homicídios. Sua morte se deu pelas armas do matador profissional Desidério Ramos, seu desafeto, contratado pelo chefe político de Afogados da Ingazeira, coronel Luis Chaves, para deter o cangaceiro que acabara de invadir a feira da cidade. Batistão levou um tiro de bacamarte e morreu na hora. Isso aconteceu em 1896.
Silvino e os irmãos prometeram vingança, mas o matador de Batistão permaneceu vivo e tranquilo até morrer de velhice.
Tido como cangaceiro justo e avesso a violência, Antonio Silvino costumava declamar:
Onde eu estou não se rouba
Nem se fala em vida alheia,
Porque na minha justiça
Não vai ninguém pra cadeia:
Paga logo o que tem feito
Com o sangue da própria veia.
Faziam parte do bando de Antonio Silvino, entre outros, os cangaceiros Cavalo do Cão, Relâmpago, Nevoeiro, Bacurau, Cobra Verde, Azulão, Cocada, Gato Brabo, Rio Preto, Pilão Deitado, Barra Nova e Cossaco. Antônio Silvino, como chefe, passou a usar a farda de coronel, apresentando-se com cartucheiras, punhal na cintura, bornais e um rifle na mão e, por questão de poder e vaidade, exigia que todos o chamassem de “capitão”.
Ao invadir uma cidade na Paraíba, o famoso cangaceiro se dirigiu à casa de um delator e disse, em público, que ia matá-lo. A esposa da vítima, desesperada, pediu-lhe, então: “Capitão, não mate o meu marido. Tenha pena de uma pobre mulher e de crianças que vão ficar órfãs.”
Ao que o cangaceiro lhe respondeu: “[…] Antônio Silvino não sabe negar nada a uma mulher aflita.” […] “Perdoo-lhe a vida, mas, para não ficar sem castigo, vou mandar dar-lhe uma pisa.”
Ao que a mulher voltou a lhe solicitar: “Capitão, se é para humilhar meu marido, o senhor me desculpe: em um homem não se dá! Mande logo matá-lo, que é melhor!”
Naquele momento, vendo esvair-se a oportunidade de escapar da morte, o marido delator interrompeu o diálogo dos dois e exclamou: “Não se meta, mulher, que o capitão sabe o que faz!”
Certa vez Antônio Silvino passou pela Fazenda Pantaleão, uma propriedade de Albuquerque Né, o avô de Etelvino Lins. Como o cangaceiro não o conhecia, apenas cumprimentou-o à distância, tirando o seu chapéu.
Quando foi informado de quem se tratava, no entanto, Antônio Silvino voltou para pedir-lhe desculpas, humildemente, por ter passado em suas terras armado, justificando isto pela vida de riscos que levava, fugindo sempre dos inimigos e da polícia. Dessa forma, mesmo considerando o crime como uma banalidade, o cangaceiro sabia respeitar a autoridade e a lei dos coronéis-fazendeiros, em verdade, os mais poderosos de todos.
Ele chegou a ser chamado de “bandido cavalheiro” porque protegia as pessoas simples e humildes: as mulheres, as crianças, os doentes e os idosos. Um poeta popular sertanejo, na época, sobre ele escreveu:
Antônio Silvino é
Cangaceiro do sertão,
Mas não ataca a pobreza,
Antes lhe dá proteção;
Mas tem orgulho em matar
Oficial de galão.
Um outro poeta popular deixou o seguinte cordel, como se fosse o próprio Antônio Silvino falando:
Já ensinei aos meus cabras
A comer de mês em mês,
Beber água por semestre,
Dormir no ano uma vez,
Atirar em um soldado
E derrubar dezesseis.
O governador de Pernambuco, general Dantas Barreto, frente aos imensos prejuízos causados pelos cangaceiros no interior do Estado, decidiu decretar a mobilização da polícia. Foram despachadas para o sertão inúmeras forças volantes, com o intuito de combater o bando de Antônio Silvino.
O delegado do município de Taquaritinga, alferes Teófanes Torres, comandante de uma das forças volantes, desconfiou que o famoso cangaceiro estivesse escondido na fazenda de Joaquim Pedro. E quando empreendeu uma busca dentro da casa, percebeu que um grande carneiro tinha sido abatido e estava sendo preparado na cozinha do fazendeiro.
A partir daí, o alferes ameaçou fuzilar o dono da propriedade, caso ele não revelasse, de imediato, onde se encontrava Antônio Silvino. Uma das filhas de Joaquim Pedro, apavorada com a situação, implorou: “diga a verdade, papai!” O fazendeiro terminou falando, então, que o bando se encontrava bem perto dali, à beira de um riacho; e o delegado ordenou que a tropa seguisse até o local e pegasse o cangaceiro vivo ou morto.
O caminho indicado, no meio da caatinga, em Lagoa da Lage, Santa Maria, Pernambuco, era um entranhado de espinhos, mororós, xique-xiques, facheiros e galhos secos de jurema, ferindo todos os que tentavam abrir a picada. Mas, a despeito das dificuldades, no dia 28 de novembro de 1914 ocorreu o último encontro de Antônio Silvino com a polícia. No tiroteio, muitos morreram e poucos conseguiram fugir. Já baleado e para não ir preso, Joaquim Moura, o lugar-tenente do cangaceiro, se suicidou com um tiro de rifle. O confronto durou cerca de uma hora, o tempo que o bando esgotou a munição das cartucheiras.
Percebeu-se, de repente, que Antônio Silvino estava correndo cambaleante, como se estivesse ferido. Em verdade, uma bala de fuzil havia atravessado o seu pulmão direito, indo sair na região subaxilar. Sangrando, ele conseguiu chegar à residência de um amigo, pediu que chamassem a polícia e, na presença desta assim falou: “Estou entregue!” Tinha 39 anos de idade.
Ele foi preso na mesma hora e levado para a Cadeia de Taquaritinga. Porém, como estava muito ferido, teve de viajar a cavalo, dentro de uma rede, por cerca de 40 quilômetros, até a estação ferroviária de Caruaru. O destino final era a capital do Estado.
Como recompensa ao heroísmo pela captura do “Mussolini sertanejo”, o general Dantas Barreto promoveu o alferes Teófanes a tenente; a alferes, o segundo-sargento José Alvim; e, a cabo, todos os demais praças que participaram do confronto com o bando.
Do município de Caruaru, Antônio Silvino foi transferido para a Casa de Detenção do Recife em um trem especial da Great Western.Uma multidão o aguardava. Todos queriam ver, de perto, o tão falado cangaceiro.
Antônio Silvino se tornou o prisioneiro número 1122, da cela 35, do Raio Leste. Por vários processos, pelos vinte anos de opção pela vida no cangaço, foi condenado a 239 anos e 8 meses de prisão.
Na cadeia, teve um comportamento exemplar e decidiu aprender a ler e escrever, aproveitando as horas do dia para fazer algo útil. Nos intervalos das aulas, fabricava abotoaduras, brincos e pequenos artefatos de crina de cavalo, ganhando algum dinheiro com a venda desses produtos.
Passou a ser objeto de estudos e pesquisas, principalmente de alunos da Faculdade de Direito do Recife. Entretanto, não gostava de recordar o seu passado.
Em certa ocasião, recebeu a visita de José Lins do Rego, um jovem advogado cujo desejo era o de se tornar um romancista. Outras vezes, foi procurado por Luís da Câmara Cascudo, Nilo Pereira, José Américo de Almeida, entre várias personalidades importantes. Quanto aos jornalistas, o ex cangaceiro se recusou, sistematicamente, a recebê-los.
Antônio Silvino passou vinte e três anos, 2 meses e 18 dias recluso, sendo libertado por indulto concedido por Getúlio Vargas.
Quando saiu da cadeia, declarou:
“Minha vida todo mundo conhece. Vinte e três anos de reclusão alteraram o meu destino. Mas, diga lá fora, que eu nunca roubei, nem desonrei ninguém, e, se matei alguma pessoa, foi em defesa própria, evitando cair nas mãos de inimigos”.
Saiu feliz da vida da prisão, como um passarinho que escapou da gaiola. Tinha 62 anos de idade.
Liberto, ele decidiu andar pela rua Nova, olhar as vitrines, ir até à Sorveteria Pilar, conhecer a praia de Boa Viagem, admirar Recife e Olinda. Chegou, inclusive, a conhecer o Rio de Janeiro e o Presidente Vargas.
Desejando se estabelecer no interior do Estado, Antônio Silvino mandou uma carta para José Américo de Almeida, um político de renome na Paraíba, solicitando-lhe um emprego, por conta dos “seus serviços prestados ao Nordeste”. Mas, o escritor e político jamais lhe respondeu a carta.
Ele morreu no dia 30 de julho de 1944. Ao lado de uma multidão de curiosos, procurando vê-lo pela última vez, o ex cangaceiro foi enterrado no Cemitério de Campina Grande. Uma senhora idosa depositou uma coroa de flores sobre a sua sepultura e, uma jovem, um cacho de angélicas e cravos.
1 Comentário
História interessante.
Lá em Natuba, de onde sou, meu avô, nos falava, que por lá os cangaceiros também andaram. Calafange é Antônio Silvino faziam parte de suas histórias.
Tião, outro dia vi uma postagem sua falando que Epitácio Pessoa morou em Princesa Isabel.
Epitácio Pessoa Sobrinho tinha uma fazenda em Nativa, na época, Natuba era distrito de Umbuzeiro de onde vieram todos os “Pessoa”.
Seria o mesmo? A esposa se chamava Margarida.
um abraço e aguardo sua resposta.