1berto de Almeida
Amanhece. Preciso ir. São cinco horas da manhã. Hoje é sexta-feira. Nenhuma novidade. São muitas as sextas-feiras no ano. Muitas na vida. O branco predomina nas minhas sextas-feiras. Eu gosto. Nenhum significado maior. Embora muitos pensem o contrário. Há um significado maior viver o branco das sextas-feiras! Viver o branco nas sextas-feiras.
O Livro do Desassossego. Fernando pessoa. Nem preciso abrir. “A mim, quando vejo um morto, a morte parece-me uma partida. O cadáver dá-me a impressão de um terno abandonado. Alguém se foi e não precisou levar aquele único terno que vestira”.
Foi assim que vi o meu irmão Lauro naquele dia. Melhor: não o vi. Não gosto de guardar mortos na memória. Vivos. Assim. Os meus mortos são imortais.
A sua frase “chegou tarde” proferida na despedida soa cada vez mais viva nos meus ouvidos. Chegou tarde. Disse para o irmão. A vida tem dessas coisas. A morte eu acredito que tenha também.
Às vezes é tarde demais para viver. Às vezes também se morre tarde. A tarde. Vai-se tarde e fora de hora. Mas não havia só despedida na frase dele. Viver! Tarde para viver. Senti isso. Apenas. O irmão chegara tarde demais para viver a vida dele. A vida com ele.
Também vejo assim os meus mortos. Não tarde. Esses não morrem nunca. Nem tarde nem cedo. Vejo os seus corpos como uma roupa que não lhes serve mais. Nada de passado. Esse do compositor popular. O seu é apenas uma roupa velha.
Vejo além.
Essa ele troca quando vai morar noutra cidade. Não disse que “não serve mais”. Agradecido. Sempre. Os meus mortos se vão agradecidos pelo uso dessa roupa que os vermes comerão. Farão um banquete. Escolherão os melhores pedaços. Nem os ossos! Esses que lhes parecem indestrutíveis sobrarão.
Um terno abandonado. O poeta via os seus mortos assim. Um terno abandonado não é triste. Lauro não usava terno. Nunca o vi usando um. A roupa sua era feita pelas amiga Áurea. Essa que parecia ser costurada com agulha de ouro. Brilhava! Aurea muitas vezes esquecia o “erre” do seu nome. Parecia ser proposital. Aura. E esse esquecimento envolvia todos. Era só energia. Essa que agora faltara em Lauro. Tudo isso se via nas “camisas modernas” de Lauro. Mas nem dessas Lauro precisa mais.
“Chegou tarde!”.
Frase me pegou hoje cedo. Mais que isso: lembrou-me que não devemos deixar entardecer para lembrar a manhã. Vivê-la. Morrer, se preciso, dessa. Nunca achar que a tarde nos trará mais alegria. Esperá-la. Desejá-la. Lauro sabia das coisas: é cedo para viver.
4 Comentários
jornalista Sebastião Lucena,
SOU LEITOR VORAZ DE SUAS BEM ESCRITAS LINHAS! ABRI E ME DEPAREI COM ESSE POÉTICA CRONICA DE… 1BERTO (é isso mesmo ? um pseudônimo ?) DE ALMEIDA.! BELA E TRISTE. POESIA E MORTE. MAS ELE CONSEGUE SER MAIS POETA! COMO É BOM LER… 1BERTO! PARABÉNS PELA CRÔNICA! VOCÊ, SEBASTIÃO , SABE ESCOLHER MUITO BEM OS SEUS COLABORADORES! A MINHA SOLIDARIEDADE AO 1BERTO!
Tudo bem. Esse rapaz, que não tive ainda o prazer de conhecer, é uma revelação no cenário jornalístico da PB. Mas, gostaria muito de voltar a ler as crônicas sobre artes de Martinho Moreira Franco !
1berto, amigo, todos nós um dia embarcaremos rumo à terceira margem do rio, como no conto de João Guimarães. Parabéns pelo texto. Dê notícias de seu paradeiro, em que mundo, em que estrela tu te escondes?
aldolopesaraujo, caba de peia! tu desapareces e, quando apareces por aqui, te escondes! tá danado! vou à terra onde “estás” delegado, pois na verdade sempre foste o escritor e contista da gota serena, e dizes que “estava voando pelo mundo”! agora, sabendo onde me encontro, vens com essa de este MB é quem fica se escondendo! vai lá em casa, seu porra, sabes que a casa é… nossa! putabraço! qualquer dúvida, perguntas aí ao nosso tião de deus!