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Coisas para lembrar num domingo

26 de agosto de 2018

A gloriosa visão daquele deputado gordo e bigodudo com as calças arriadas, metendo a peia numa galega, encheu a Praça João Pessoa de gente. Deu mais gente do que nas solenidades dedicadas ao ex-presidente João Pessoa, para ouvir os inflamados discursos das autoridades constituídas. Àquela hora, estávamos nós nos bancos da praça curtindo o fim de tarde, esperando a hora dos trabalhos etílicos na Fava do 13 de Maio, quando o lavador de carros alarmou: “Eita, tá comendo em pé”. Olhamos em direção à parede envidraçada e vimos, através dela, o parlamentar em vigorosa e compenetrada hora extra. Esquecera-se de fechar as cortinas, propiciando o espetáculo que o elegeu, durante muito tempo, o mais recorrente dos nomes nas rodas de fuxico.

Mas esse negócio de faturar mulher em troca de favores, na Assembleia, nunca foi novidade. Nos velhos tempos, era até mais frequente. Havia poucos motéis e os “matadouros” da Maciel Pinheiro não eram discretos o suficiente para receber uma autoridade engravatada.

Por isso, de vez em quando, um deputado metia-se com suas eleitoras dentro do próprio gabinete, sem maiores consequências, a não ser quando esquecesse a cortina aberta.

Com aquele deputado pequenininho foi um pouco diferente. Alguém entrou no gabinete no exato momento em que ele, de pé, cheirava as partes da moça, bem mais alta e, também, de pé. Jurou que apenas ajeitava o cóis da amiga. Mas, quem lhe daria o menor crédito?

Corriam os anos de 1970, comecinho dos 80. A Praça João Pessoa era um imenso cabaré. Mulheres ali baixavam para caçar fregueses bem diante da sede do Poder Legislativo. Os jornalistas, também estes, às vezes brincavam de casinhas com as ditas cujas. Pelo menos, com aquelas que, desavisadas, enfrentavam o risco do “xexo”, ou seja, do calote cometido pelo bando de lisos.

Também acontecia confusão, como aquela envolvendo Gilvanzinho, de Santa Luzia, um moreno carrancudo assessor de Inácio Bento. Metido a brabo, enjoado quando bebia, cobrador dos devedores que lhe tomavam emprestado, Gilvan só sorria quando recebia dinheiro.

Naquela boca de noite, saiu da Assembleia e sentou-se no banco da praça para fazer hora, esperando anoitecer, a fim de jantar em casa. Estava, ali, entretido, vendo o vai e vem das pessoas, quando avistou o vendedor de cavaco chinês se aproximando, com a oferta do produto. Gilvan comprou um e puxou conversa com o moço, a quem perguntou quanto aquilo rendia por semana. O rapaz informou que a renda era pouca, mal dava para as despesas, para alimentar os cinco filhos e a mulher.

Penalizado, Gilvan indagou:

– E o que o amigo faz para completar as despesas?

O rapaz, que confundira Gilvanzinho com algum político advindo do interior e ali sentado em busca de emoções diferentes, respondeu, lânguido:

– De vez em quando aparece um cuzinho pra gente comer”. Gilvanzinho nem esperou que o rapaz terminasse. Levantou-se de um salto e exclamando um “danou-se”, pegou descendo em direção ao ponto do ônibus sem olhar para trás.

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