Em sua 20ª edição, o Pense Brasil, ciclo de conferências, palestras e debates orientado para a compreensão e a elaboração de temas e questões estratégicas para o nosso país, discutiu o papel das fundações e think tanks internacionais na defesa dos direitos humanos e da cidadania crítica na América Latina e no mundo. Realizado de forma virtual desde o início da pandemia, essa edição do debate contou com a mediação do presidente da Fundação João Mangabeira, Ricardo Coutinho, e três convidados internacionais: Marta Nin, diretora da Casa Amèrica Catalunya (Barcelona – Espanha); Diego López Garrido, vice-presidente executivo da Fundación Alternativas (Madrid – Espanha); e Jean Jacques Kourliandsky, diretor do Observatório América Latina da Fondation Jean-Jaurès (Paris – França).
“O mundo está assolado por crises de diversos tipos: crise econômica no mundo inteiro; crise política em muitas partes e crise social muito evidente. Não só pela pandemia da Covid-19, mas também por uma falência do modelo neoliberal”, apontou Ricardo Coutinho ao entabular o debate e questionar os participantes sobre o paradoxo de um mundo com tantas riquezas sendo capaz de chegar até essa situação de crises e de aprofundamento de desigualdades que os países estão vivenciando.
Marta Nin lembrou que antes que fosse declarada a pandemia do novo coronavírus, as ruas do mundo estavam cheias de cidadãos que exigiam que seus governos integrassem ao processo de desenvolvimento os direitos humanos, sociais e ambientais. “Com a chegada da Covid-19, esses cidadãos se recolheram e deixaram as ruas vazias, mas essas exigências continuam na pauta. Pandemias como essa nos colocam desafios ainda maiores. A lógica da exploração e maus tratos à natureza é absurda, e na América Latina estamos vivenciando dez anos de retrocesso em combate à pobreza. São temas que deverão ser discutidos em meio à reconstrução da economia pós-Covid-19”, avaliou a diretora da Casa Amèrica Catalunya.
Para Jean Jacques Kourliandsky, a crise multidimensional que vivemos denota a falta de capacidade dos sistemas políticos em produzir respostas adequadas às dimensões desse desequilíbrio. “Se quisermos responder à crise com eficácia temos que propor aos partidos políticos que encontrem os canais que possam recuperar o interesse dos cidadãos para a questão pública. Se os cidadãos não estiverem interessados, não será possível apresentar soluções”, disse Kourliandsky.
Diego López Garrido falou da situação de profundas contradições sociais que estamos inseridos. “A história da humanidade sempre foi uma história de contradições e egoísmo. Um avanço fundamental nesse processo foi a introdução do Estado de Direito, depois da democracia e do Estado de Bem-Estar Social. Para a satisfatória defesa dos direitos humanos, é necessário um Estado poderoso, e instituições públicas poderosas”, explicou Garrido.
Coutinho lembrou então que os Estados Unidos têm respondido ao declínio de sua hegemonia global com cada vez mais violência, intervenções e radicalizações de posições. “E isso tem se refletido na América Latina com a criminalização da política, o uso do sistema como arma de guerra política e econômica e por fim o lawfare, que ficou muito evidente em quase todos os países da América do Sul”, explicou o presidente da FJM. “Talvez, desses, o exemplo de maior impacto foi no Brasil, onde um governo foi derrubado sem que se conseguisse provar um único crime de responsabilidade, seguido da prisão do ex-presidente Lula, o que determinou a vitória nas eleições de quem restou nesse processo de desmonte do Estado de Direito, e que tinha um discurso obtuso, fechado e violento, que foi exatamente o então agora presidente Jair Bolsonaro”, completou.
Marta Nin apontou que estamos vivendo momentos de muita polarização, que ajuda com que o populismo e o extremismo de direita cheguem ao poder. “O que precisamos fazer é cultivar uma cidadania crítica que ajude a ordenar as coisas democraticamente. No Brasil o que mais me assustou é que as pessoas votaram em uma pessoa que, quando se deu o impeachment da presidente Dilma Rousseff, homenageou o nome do torturador dela. Não se pode dar o poder de um país a alguém que justifica a tortura”, assinalou.
“Estamos vivendo uma degradação dos sistemas democráticos”, pontuou Jean Jacques Kourliandsky. “Foi citada a manipulação constitucional no Paraguai e em Honduras e no caso da presidente Dilma no Brasil. O que estamos assistindo, assim como tem ocorrido na Europa – na Polônia e na Hungria – é um desequilíbrio entre os diferentes poderes do Estado”, ressaltou o diretor do Observatório América Latina da Fondation Jean-Jaurès.
Diego López Garrido, por sua vez, salientou que o debate realizado é um exemplo do que deve-se fazer para enfrentar os excessos, e os think tanks progressistas devem trabalhar dessa forma. “Por sua liberdade de pensamento, é importante que seja criada uma rede de think tanks progressistas para que haja mais debates desse tipo e para estruturar um pouco mais o pensamento progressista nesse momento tão importante. Iniciativas como esta de hoje devem prosseguir e, mesmo que não tenham a pretensão de tomar o poder, devem contribuir de uma forma enriquecedora para o pensamento livre e para o que ponderamos sobre a democracia”, complementou o vice-presidente executivo da Fundación Alternativas.
Ricardo Coutinho concordou e disse que essa rede mundial progressista é importantíssima. “Há muitas boas experiências espalhadas pelo mundo inteiro e muitas situações de preservação dos direitos humanos e da democracia. O poder dessa rede estaria além dos partidos, no sentido de massificar determinadas ideias, criar consensos e pautar a própria política partidária. A Fundação João Mangabeira se propõe a participar, até para acumular mais conhecimento e poder dialogar com essa realidade que nós vivenciamos hoje no Brasil”, concluiu o presidente da Fundação.
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