No enorme pavilhão armado pelos padres carmelitas em frente ao convento São José sentavam-se os endinheirados da cidade. A eles eram dados os lugares de destaque por óbvias razões: gastavam até além da conta e com isso aumentavam o apurado da igreja.
No centro do pavilhão, num tablado de madeira, as belas mocinhas da chamada alta sociedade se apresentavam como representantes do cordão encarnado e do cordão azul. Eram as pastorinhas da noite. As torcidas de um lado e do outro se esforçavam para mostrar a sua cor como a vencedora e as meninas davam tudo de si para serem campeãs.
O pastoril era musicado pelo saxofone de Manoel Marrocos. Ele e sua orquestra davam o tom às canções da Diana sem partido, da cigana e das demais.
Sentados ao redor das mesas, os doutores, os fazendeiros, os vereadores, o prefeito, o vice, os deputados e os comerciantes degustavam cervejas mais ou menos geladas e bebiam uísque Drurys, o único que aparecia por aquelas bandas naqueles tempos, todos esperando ansiosamente pelo leilão que começaria dali a pouco, tão logo terminasse a apresentação do pastoril. Era no leilão que cada um mostrava sua força monetária, sua fortuna e procurava humilhar algum rival metido a rico.
E começava o leilão. Postado no meio do palco, Parajara exibia uma galinha de capoeira assada no forno da padaria de Rafael Rosas e perguntava: – Quem dá mais?
Sucediam-se os lances.
– Dou 50 pra João França não comer!
– Dou 150 pra doutor Zezito tirar o gosto do uísque!
E quando o valor chegava ao equivalente ao preço de um bode inteiro ou de uma banda de boi, Parajara resumia: – Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, seguindo-se o anúncio: – Arrematada por Samuel pra mesa de Chico Sobreira.
Numa noite dessas, era natal, a rua enfeitava-se de uma ponta a outra com imagens de Papai Noel e estrelas de Davi, nas casas centrais os presépios encantavam os olhos da meninada, fogos de lágrimas subiam aos céus anunciando o nascimento do Filho de Deus e, claro, a festa mundana tomava conta da rua.
Os meninos pobres do Cancão viam tudo de longe, sem acesso aos abraços perfumados e elegantes da sociedade rica. E aquele menino meio buchudo, olhar piongo, assistia os lances do leilão escorado numa das estacas de agave que sustentavam o pavilhão dos padres.
A certa altura, quando a galinha do pé seco já custava 150 mil cruzeiros, ele gritou lá do seu canto:
– Oitocentos mil!
O pavilhão parou, Parajara fez cara de espanto. E como ninguém mais se atreveu a dar um lance novo, o mestre de cerimônia pronunciou o seu “dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três…”, mas não consumou a entrega porque o menino , àquela altura, chegava esbaforido à Rua do Cancão, fugindo da peripécia que acabara de praticar.
E até hoje não se sabe qual foi o destino dado à galinha arrematada.
1 Comentário
Esse menino buchudo, intrometido e enxerido que gritou “oitocentos mil” e depois saiu correndo de rua abaixo em procura do Cancão, se não foi Tuta de Migué Fotógra eu me lasque !!!