O presidente João Pessoa levantou-se da cadeira e esboçou um sorriso, como se não acreditasse no que estava vendo. Mas era tudo real até demais: o peito lavado de sangue, o sorriso de descrença nos lábios, a vista ficando turva e os outros balaços entrando um atrás do outro, até leva-lo ao chão, morto. João Dantas apareceu como um fantasma diante dele e gritou:
– Eu sou João Dantas! – e atirou sem lhe dar a menor chance de defesa. Foi morte na hora. Morte antecedida daquele sorriso de quem não acrecitava no que estava vendo.
O presidente viajara ao Recife de manhã, na maior moita, acreditando que ninguém, além do motorista José Francisco de Sousa, do ordenança Antonio Pontes de Oliveira, do vice-presidente do estado e dos seus secretários, sabia disso. Mas o mundo todo sabia graças ao jornal A União, que no mesmo dia da viagem informava, em letras grandes, que o presidente estava indo ao Recife, chegaria tal hora, passaria pelo hospital para visitar um amigo, se dirigiria ao jornal, depois a uma joalheria, tiraria retrato e, ao fim da tarde, se encontraria na Confeitaria Glória tomando um chá.
E não foi por falta de aviso. O vice-presidente Álvaro de Carvalho, quando recebia o governo das mãos de João Pessoa, o advertiu para os perigos desse passeio ao Recife em face dos inimigos que o presidente possuía e Pernambuco. Ainda estava recente o episódio da invasão ao escritório de João Dantas, que na certa não teria gostado de ver suas cartas e o diário íntimo no qual narrava suas peripécias amorosas com as senhoras e donzelas da Paraíba expostos à execração pública. João gracejou e dispensou o oferecimento do seu irmão Oswaldo para acompanha-lo na viagem. O presidente queria, porém, que a viagem ficasse entre os mais íntimos. Ao chamar Álvaro no dia 25 para comunicar que iria a Recife, pediu-lhe reserva, acrescentando que desejava absoluto segredo sobre esse fato.
Quando A União publicou, portanto que o presidente João Pessoa viajaria a Recife e tudo o mais , Álvaro ficou aborrecido e interpelou o diretor do jornal, tendo este respondido que apenas cumprira ordens do presidente.
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João Dantas estava dentro do bonde lendo o jornal e viu a notícia. Puxou o relógio da algibeira, conferiu a hora, verificando que naquele momento seu inimigo estava na Confeitaria. Desceu na próxima estação, pegou um carro de praça, tocou para lá, certificando-se de que o revólver estava na cintura. Ao chegar, foi avistado pelo motorista do presidente, que o reconheceu e ficou calado, misteriosamente calado. Entrou pela porta lateral à Rua Santo Amaro, aproximou-se de onde o presidente estava com Agamenon Magalhães e outros amigos, puxou o revólver, gritou que era João Dantas e atirou no peito dele. Das seis balas que estavam no tambor do revólver, uma pinou e três outras se alojaram no corpo de João Pessoa.
Depois Dantas tentou fugir, porém levou um tiro na testa, disparado por Antônio Pontes. A bala não atingiu o cérebro e Dantas, tonto, foi preso por Agamenon Magalhães, sendo levado para a Casa de Detenção para ser sangrado, mais tarde, por João da Mancha.
O presidente ainda foi levado para a Farmácia Pinho, na Rua Nova, onde ficou deitado sobre uma mesa, morto, as mãos entrelaçadas, o peito coberto de sangue. Os médicos legistas Theodorico de Freitas e Arnaldo Marques botaram no atestado de óbito que João Pessoa morreu da seguinte causa mortis:
“Ferimento penetrante no tórax com lesão no coração e pulmão esquerdo. Ferimento penetrante no abdome, com lesão na artéria ilíaca. Lesões externas provocadas por projéteis de arma de fogo no tórax, região ilíaca e antebraço.”
O presidente tinha 52 anos, uma mulher e quatro filhos menores.
OBS: Retirado do meu livro “A Guerra de Princesa”. Caso haja interesse do leitor, amanhã eu conto como morreu João Dantas e as andanças com o corpo de João Pessoa, de porto em porto até chegar no Rio de Janeiro.
3 Comentários
Tem sempre um dado novo. Eu conheço a história, mas não sabia que João Dantas tinha sido visto pelo motorista.
Excelente narrativa. Parabéns.
ESPETACULAR, NARRATIVA! É ÓBVIOS QUE QUEREMOS SABER DE TUDO , QUE OCORREU COM O CRIMINOSO !!!