Marcos Pires
“- Meu amigo brasileiro, você foi a única pessoa que conheci nos últimos anos que não me propôs qualquer negócio, que nem sequer perguntou sobre quanto dinheiro tenho”.
Estávamos no bar do hotel Bernini em Florença, ali ao lado da Uffizi e nossos encontros noturnos ao redor do belo piano de cauda repetiam-se já por uma semana.
Na primeira noite da estadia eu tocava “Wave” para mãe Leca, solitários naquele maravilhoso lounge quando o casal encostou. Ela pediu licença, assumiu o piano e executou Für Elise maravilhosamente, reduzindo-me à minha insignificância. Ele perguntou se eu cantava. “- Claro, desde que você cante antes”. O cidadão era um tremendo tenor. Show.
Humilhado pela esposa pianista e pelo marido cantor, só me restava fazer o que sei de melhor, conversar.
Só recentemente descobri que tenho esse dom. Tenho a rara capacidade de conseguir ser amigo de infância de qualquer pessoa em quinze dias.
É que gosto de conversar e aprendi algumas diretrizes para isso. Adoro ver as pessoas rindo, divertindo-se com o que conto. Se Creusa Pires fosse viva com certeza estaria me alugando para festas a fim de entreter os convidados. Nada de subir em palcos; absolutamente. Minha arte é perfeitamente exercida em mesas com umas poucas pessoas. No máximo seis, porque acima disso acontecem conversas paralelas que mudam o foco dos circunstantes. Há também o perigo real de aparecer algum engraçadinho querendo ser mais engraçado do que eu e isso eu não admito.
Identifico rapidamente um assunto que seja comum a todos e arrodeio o tema com uma história hilária acontecida comigo onde eu me dei mal no final. Nunca errei. As pessoas não gostam de quem “se pabula”, mas adoram o oposto.
O mais importante é evitar o erro que comumente é cometido quando as pessoas se conhecem. Sempre haverá um deles a pensar em como aproveitar-se da amizade que está sendo construída. Talvez aí esteja o segredo do meu sucesso. Jamais utilizei minhas amizades. Tenho amigos que são altas autoridades por todo o Brasil, alguns deles milionários e nunca lhes pedi grana, nunca lhes perguntei sobre quanto dinheiro ou poder tem mas principalmente jamais lhes propus qualquer negócio, o que infelizmente ocorre frequentemente com outras pessoas.
Foi assim que fiquei amigo de infância do bilionário australiano em Florença, e olha que em apenas cinco dias. No opíparo café da manhã do Bernini ele me surpreendia todos os dias com um murro nas costas e bradava: “- Brasileiro, vamos começar?”. Deixava-o aos cuidados do barman e ia à Uffizi ou à Academia, mas à noite sempre nos encontrávamos ao redor do piano.
Na despedida recebemos um convite: “-Meus amigos brasileiros, adorei vocês dois. Quando quiserem ir a Sidney é só avisar que mandarei busca-los. Serão meus hospedes. Faço questão. No entanto jamais irei ao Brasil porque lá não se respeitam os contratos”.
Deve ter sido roubado aqui, né? Porém nada perguntei porque respeito a privacidade dos meus amigos de infância.
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