RAMALHO LEITE
Lembro-me muito bem da chegada de Dom José Maria Pires a esta capital para assumir o arcebispado da Paraíba. A igrejinha de Santo Antônio, lá no Oitizeiro, a mesma onde Rui Carneiro costumava fazer suas orações todas as vezes que aportava no Estado, foi o ponto de espera. Uma carreata, tendo à frente um jeep sem capota conduzindo o novo chefe da Igreja entre nós, seguiu pelas ruas desta cidade, os fiéis estacionados nas laterais a saudá-lo. Os organizadores da recepção, aos poucos, foram deixando o círculo do poder católico que se instalava. Não rezavam pela cartilha do novo líder. O Palácio do Bispo seria ocupado pelos mais humildes, os injustiçados, os perseguidos. O seu inquilino optara pela Senzala, para desgosto dos donos das Casas Grandes que acabavam de se encastelar no poder, graças à assunção dos militares. Era 1965.
Dom José, nascido em 15 de março de 1919 no distrito de Córregos, Conceição do Mato, MG, tinha um trabalho pastoral voltado para os desvalidos, o que não agradaria às elites dominantes. Seus sermões foram por vezes gravados e censurados pelo regime de então. Era uma missão que ultrapassaria as nossas fronteiras e, uma palavra ouvida com respeito na CNBB. Os bispos nordestinos o entronizaram na presidência da Comissão Episcopal Regional e os trabalhadores de Alagamar, agradecidos, acataram-no como um deles e o amaram para sempre. Subscritor do Pacto das Catacumbas, firmado por Padres Conciliares que se comprometiam a viver na pobreza e a renunciar aos privilégios do poder, deixou a vivenda nobre da praça Dom Adauto e passou a residir em uma pequena casa defronte ao Cruzeiro, no ádrio de São Francisco.
Foi nessa humilde residência que o procurei em um dia de 1985, a pedido do governador Tarcísio Burity. A Paraíba, naqueles tempos, estava violentada pelo chamado Esquadrão da Morte, um grupo paramilitar que pretendia eliminar notórios criminosos e fazer Justiça com as próprias mãos. Os registros de mortes encomendadas cresceram e, pessoas sem qualquer histórico criminal mas, apenas, por serem testemunhas da ação ilegal dos mascarados de capa e botas pretas, foram, igualmente, condenadas. O pároco de Guarabira, Padre Adelino, tomara para si a tarefa de denunciar os matadores que, segundo era sabido e ninguém tinha coragem de denunciar, eram chefiados por um tenente da Policia Militar, chefe do P2 e seus seguidores, um dos quais, por ironia, chamava-se Pacífico. O padre entrou na lista dos marcados para morrer e foi esse o motivo da minha visita a Dom José.
Antes, eu já promovera um encontro entre o padre Adelino, o governador Burity e o secretario Talião, na residência de Bosco Carneiro, em Alagoa Grande, instado pelo advogado Paulo Freire, que me apresentou ao vigário. O governador tomou conhecimento da estratégia do grupo de extermino e lembrou sua experiência anterior, quando enfrentou em Campina Grande outro grupelho que se cognominou de Mão Branca, com os mesmo objetivos daquele que passou a atuar em Guarabira e municípios vizinhos. Prometeu tomar providencias. Dias depois, eu cumpriria missão junto a dom José, como narrei no início. Burity estava informado por fonte da inteligência da Policia Militar que o Padre Adelino estava com os dias contados. Para evitar esse desfecho, teria que deixar o país. Foi o recado que levei a Dom José. Padre Adelino foi exilado em Roma por dois anos. No seu retorno, elegeu-se vereador e deputado.
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