Por Tião Lucena
É engraçado, pai, como eu o deixava sozinho naquela casinha do Geisel, quando o senhor chegava de viagem do interior. Naquele tempo eu achava que, só pelo fato de ir busca-lo na rodoviária e transportá-lo até o lugar de descanso, estava fazendo a melhor coisa do mundo. Pai, confesso de coração aberto, que eu sequer imaginava que o senhor gostaria de conversar comigo, trocar idéias, falar do tempo, das chuvas no sertão,da boa roça que o senhor sempre plantava e outras coisas mais,tão do seu agrado.
Eu não fazia isso e nem sentia que isso lhe fazia falta.Era filho e, como todo filho no vigor da juventude, estava mais preocupado com meu umbigo do que com o jeito de pensar daquele velhinho que se contentava com tão pouco.
E quantas vezes lhe transportei da rodoviária para a casinha do Geisel e vice-versa, sem nunca me lembrar de perguntar se o senhor estava gostando, se sentia falta de alguma coisa, se queria conversar, se estava tudo bem.
Lembro, sim,de uma passagem: certa vez cheguei na casinha e o convidei para dar uma volta. Fomos ao Valentina e voltamos, andamos pouco mais de dez quilômetros naquele fusquinha velho, enferrujado e de pneus carecas, mas guardei na memória aquele sorriso largo,de orelha a orelha, que o senhor ostentou durante todo o trajeto.
Pois foi, pai. O tempo que eu poderia ter aproveitado ao seu lado, gastei na barraca do cajueiro, na bodega da esquina, no bar da praia. O senhor sempre foi a baraúna invencível que não carecia de nadae por isso jamais me preocupei em ficar do seu lado matando o tempo, trocando idéias, falando de nós.
Faz 35 anos, pai, que o senhor se foi. E somente agora, quando tenho quase a mesma idade que o senhor tinha naquele 84 que quero esquecer, vejo-me velho, cansado, com vontade de conversar e sem ter quem me ouça. E anseio pelo seu colo, pelo seu aconchego, pelo seu cheiro de matuto e pelo seu abraço de pai. E misturado a isso peço desculpas por tudo aquilo que a gente deixou de viver, por culpa exclusivamente minha
14 Comentários
Caríssimo Tião…
Sua mensagem nos deixa mais conscientes de que o tempo é o senhor da verdade…!
Somos seres em mutação constante…!
Precisamos transformar histórias iguais a sua em reflexões permanentes…, na tentativa de ensinar aos nossos jovens o valor das pessoas em nossas vidas…, tenho certeza que o seu querido pai está satisfeito com a tua brilhante trajetória…!!!
Feliz Natal…!!!
Que depoimento…Como aprendi agora…
Um feliz natal a voce amigo tiao e a toda sua familia!!
Tião, você nos ensina muito com suas palavras. Seu pai está muito bem e está orgulhoso de ti
Belo texto nobre jornalista Tião Lucena. Belo texto. Faz quem ler, viver a narrativa tambem. Sem querer “entramos” no texto, pois quem de nós não foi alguma vez injusto, esquecido, com o pai? Respeitoso abraço.
Doeu no coração, ainda bem que li a tempo de conversa com meu pai. Obrigado, que Deus te dê consolo e lembre dos momentos que vc lutou para dar o melhor ao seu Pai.
chorei pensando no meu velho pai MANOEL BATISTA que foi matuto e sofredor igual ao seu.
Sábias palavras Tião,disse tudo!!
Senti sobre meus ombros a sua dor, porém a esperança que seu texto ainda sinto que seu texto ira fazer com que muitos não se deixe chegar nessa situação.
Meu querido que esteja tranquilo pois nossos Pais entende nossos erros.
Tião, suas palavras foram muito bonita e tocante no coração de nós, filhos que Muitas vezes somos ingratos e não olhamos nossos pais como mereciam ser tratados. Feliz natal, meu amigo. Que Deus abençoe você e a todos leitores deste amável blog.
Pois é velho Basto. É por isso que sempre dou atenção ao meu pai que já passou dos 80 anos. Todo sábado levo meu velho para passear na calçadinha do Cabo Branco e aos domingos ele vem passar o dia todo aqui em casa. Conversamos muito e ele recorda os tempos da construção do açude Jatobá. Viva seu Zé Batista.
Sempre voce meu querido Tião, com esse seu jeito de escrever ora noa fazendo rir, ora chorar, odiar pela sua sinceridade de posições, mas sempre se destacando nos trazendo o melhor da leitura. O texto acima atinge muitos de nós, é um nó bem dado na garganta de muitos que voltam de repente a realidade nua e crua de uma geração por inteiro, com raras exceções.
Tião não sei o que dizer meu amigo tõ ti escrevendo e as lagrimas descendo,quanto esse texto mexeu comigo lembrou do meu Pai que tambem ja se foi e quanta coisa deixei de viver com ele ,de falar,de abraçar,realmente é muita coisa que aconteceu que aqui não daria pra explicar,enfim meu amigo a sua estoria serve como reflexão para os jovens de hoje.Eu tenho 53 anos e confesso que errei muito no meu relacionamento com o meu Pai, só sei que voçe mexeu com muita gente leitores do seu Blog ,um abraço e um Feliz Natal para todos de sua familia.
Faz chorar não peste!