Gonzaga Rodrigues
Convidado a fazer uma pontinha na leitura de um seleto acervo fotográfico da cidade preservada pelas lentes do primeiro Stuckert, saí com mestre Antônio David fazendo um balanço do que ainda resta. Resta ainda muito, apesar das ruínas a que volta a se extinguir a antiga aristocracia encastelada, um século atrás, na rua das Trincheiras.
Para nossa tristeza, demos de cara com o pedestal erguido por Oswaldo Pessoa ao presidente Camilo de Holanda, sem mais o presidente. Veio o demolidor e, pior que roubar o bronze, invalidou materialmente a reparação do prefeito de 1945 a uma injustiça do tio Epitácio, exilando da política, por besteira, um aliado que se tornara, no governo, “o renovador da cidade”.
Deixando de lado o sagrado – garantido ao longo dos séculos pela fé do povo – as imagens de marca que propagaram a Filipeia dentro ou fora do Estado ainda não foram revogadas por nenhum envidraçado edificado em toda a área de extraordinário crescimento. O avanço vertiginoso dos andares, cada vez mais se concentrando, ainda não vale um postal desses que a visão externa incorporou à paisagem histórica. Se a gameleira de Tambaú houvesse resistido às secas do tempo e do abandono, ainda permaneceria referência.
O traçado do 1800, agregando os 26 mil habitantes de então (Corografia de B. Rohan), se estendeu até a lagoa dos Irerês, saiu pelas matas do Jaguaribe, desceu a colina ao poente, e aí se adensou. Fundou seu comércio à margem do rio, mas não foi alterado em seus fundamentos. Os caminhos são os mesmos, mudam os transeuntes. Ao postal de exportação inseriu-se apenas o Hotel Tambaú, que pontifica sobre todas as nossas enseadas. O shopping, catedral do consumo, por fora é uma Carandiru, aquela prisão assassina.
Mas vem o problema: quem garante a permanência desse espectro fisionômico, dessa facies, se o filho da terra, além de nem estar aí, não dispõe de uma vontade institucional que o estimule e o ajude? A lei de que dispomos é mais para deixar cair do que segurar. E os legisladores não tiram o chapéu da cabeça diante do emperro.
Convimos que o pessoense de hoje já é bem outro, com outra cabeça, diverso em preocupação, outro espírito. Há extremos em que a cabeça nem precisa mais ser dele, basta a do carro, inteligente de fábrica. Fora do volante somos um ente que cumprimenta, vai à missa, ao supermercado, tudo mais ou menos como no original. Mas no instante em que liga a chave se robotiza. Não vê o outro, só vê como ultrapassar. Seu latim é o apito, a buzina, a incivilidade.
Não dá para se incomodar com a casa arruinada do avô. O avô morreu com os bens que lhe serviam de moldura, sem qualquer valor de troca. “A casa do meu avô”, aqui ou na rua da Aurora de Bandeira, é apenas arte poética. Perdão, na rua da Aurora ainda é casa.
2 Comentários
Vindo de Gonzaga Rodrigues é, a exemplo dele, uma preciosidade. Parabéns tiao lucena, pela matéria.
Vindo de Gonzaga Rodrigues é, a exemplo dele, uma preciosidade.