Em Princesa, a feira só deixa de ser no sábado quando é Semana Santa, porque aí ela acontece na quarta-feira para permitir ao povo a compra do bredo, do peixe e do coco que vão enfeitar a mesa na ceia da Paixão de Cristo, que acontece na sexta.
É no dia de feira que as ruas de Princesa ficam cheias de gente nova, vinda das serras ao redor e dos sítios, que são muitos. Eles chegam montados em burros, em jumentos, alguns em cavalos e maioria a pé. Os que moram mais distantes, como Macambira e Macacos, pegam bigus nas camionetas que fazem transporte de gente e viajam amontoados como se fossem bois carregados para o matadouro.
Não vão à feira somente fazer a feira. Vão tomar banho de civilização, conversar miolo de pote, beber cachaça nas bodegas e somente voltar ao mundo encantado do mato quando o sol, lá no alto de Cícero Bezerra, anuncia a chegada da noite. E aí saem em romaria, os bêbados tombando, os sóbrios cantando, cada um levando consigo a lembrança do dia, um quilo de carne enfiado num cordão de agave, um rolo de fumo arapiraca para ser fumado durante a semana, uma saudade mais intensa saltando do peito da morena que durante o dia se entreteu com algum cabeludo da rua e uma vontade danada de ver chegar o sábado seguinte para repetir tudo de novo.
Nessa feira de muitas compras, muitas mercadorias, muitas farras e incontáveis namoros, também aconteceram os dramas de sangue, como aquele de Chico de Cassimiro, negro forte, metido a valente, atrevido e destemido, que afrontou um velho sonso, porém valente, chamado Antonio Mandaú. Estavam jogando pif-paf no salão da Rua do São Roque quando Chico, após perder três partidas seguidas, olhou para Antonio e o chamou de velho ladrão. Antonio Mandaú não era ladrão. Jogava bem, mas roubar, não roubava. Era, digamos assim, um profissional do carteado, pai de 15 filhos, todos pretinhos e saudáveis, criados sob a vigilância da morena Isaura, que ele conhecera no cabaré, de lá a tirara e a transformara em respeitável senhora.
Por isso o desaforo soou como uma chicotada. “Velho ladrão!”, dissera Chico. O salão emudeceu. Antonio Mandaú levantou as vistas, mirou nos olhos de Chico Cassimiro, puxou a faca de oito polegadas e enfiou no bucho do negro até o cabo. Depois, puxou, limpou o sangue no pano verde da mesa e foi embora, deixando Chico gemendo e pedindo pelo pai.
Levaram-no nos braços para o consultório de Doutor Severiano, ali perto. Um monte de gente correu para ver, inclusive Cassimiro, o pai, o engraxate da cidade, que não conteve as lágrimas ao escutar o filho gritar “painho, tô morrendo, me acuda”. Não morreu, pelo menos desta vez. Doutor Severiano costurou o rasgão sem precisar de exames preliminares e Chico ainda viveu mais 10 anos, até ser morto com um tiro no peito, na porta de casa, no cabaré de Estrela.
1 Comentário
História boa essas de matutos.. Parabéns pelo conto.