LUIZ ANTAS FERREIRA, mais conhecido como “Lulu Cristóvão”, nasceu em Princesa em 1º de junho de 1922, filho de Cícero Antas Ferreira e de dona Petronila Neves da Luz, casou-se com dona Arlinda Antas Ferreira, com quem teve os seguintes filhos: Bosco; Maria das Dores; João; Aldir; Vera e Messias. Em que pese pertencer a uma das famílias mais importantes de Princesa, uma vez serem os “Antas” descendentes dos primeiros desbravadores e conquistadores deste município, Lulu Cristóvão sempre foi pobre e humilde. Estudou pouco, acredito que somente as primeiras letras e mais algumas noções de aritmética, porém, mesmo sofrivelmente, dono de uma caligrafia bonita e legível ainda que contida de erros gráficos, lia e escrevia o suficiente para fazer suas anotações poéticas. Desde criança viveu e trabalhou na roça, no mais das vezes a serviço de ricos fazendeiros, pois, nunca possuiu terras para cultivá-las. Pai de numerosa prole, sempre teve muita dificuldade para manter a criação dos filhos que, em sua maioria, ao atingirem a maioridade, embarcaram para o sul do país em busca de trabalho. Aqui em Princesa, Lulu sobrevivia de trabalhos – quando não na roça -, esporádicos a exemplo do exercício de controlador das canoas de madeiras do tosco Parque de Diversões pertencente ao seu tio materno Manoel Ferreira da Luz, mais conhecido como “Manezim Cristóvão”.
O poeta
Mesmo na condição de semianalfabeto, Lulu Cristóvão, desde cedo se apresentou como um exímio fazedor de versos improvisados. Começou a fazer versos aos 16 anos de idade, em 1938. Sempre fez da poesia o seu usual; tudo o que via ou ouvia, lhe inspirava para rimar e tudo era feito de supetão, em completo improviso; nunca escreveu nenhum caderno com poesias, tampouco publicou algo, tudo era feito na brincadeira sem aspirar nenhum interesse em auferir dividendos, fossem eles financeiros ou de reconhecimento público. Independente da iniciativa de Lulu, o professor de datilografia da Escola “25 de Maio”, Antônio Eugênio Besêrra, datilografava alguns versos do poeta que os vendia de forma aleatória como intuito de angariar alguns tostões. Fazia seus versos com a graça que lhe era peculiar e a inspiração era a que o momento propiciasse ou a sugestão apresentasse. Às vezes, quando estava muito inspirado aceitava receber algum dinheiro para recitar o que sabia décor. Em minha opinião e na dos que me auxiliaram na difícil tarefa de pesquisar com o intuito de resgatar o pouco de informações e resquícios que restaram de seu trabalho – em face de sua fantástica capacidade de improvisar sob quaisquer situações -, Lulu Cristóvão foi o maior poeta popular de Princesa, se autodenominando “A fonte luminosa da poesia”.
Pequeno resgate de sua extensa produção
Após muitas buscas, conseguimos reunir retalhos do muito que produziu Lulu Cristóvão. Pena que, descuidado com as anotações -, porque na sua humildade não as considerava necessárias -, a maior parte de sua produção poética desapareceu com vento que carrega as palavras por não haverem sido postas no papel. Aqui, reproduziremos algumas estrofes de alguns versos seus:
O INVENTOR
O homem faz um avião
Faz um rádio pra tocar
Faz tamborete e faz mesa
Mas não faz um formigão
Que é obra da natureza
O BÊBADO
Muita gente pergunta por que bebo
Eu respondo que já tô degenerado
Reconheço que quando estou embriagado
Faço coisas que nem sequer percebo
Eu não conto as brincadeiras que eu recebo
De parente ou de alguém que vem de fora
Já levei essa vida até agora
Se eu mudar ninguém mais me acredita
Quando a força do bêbado debilita
O caráter do homem vai embora
O CACHORRO QUENTE
Todo meio de vida
Para um homem é decente
Nada pode envergonhar
Quem trabalha pra viver
Nessa barraca pequena
Que vende cachorro quente
Vejo um cachorro deitado
Em tempo de adormecer
Se o de cima é alimento
O de baixo é pra morder
O cachorro abandonado
Que não tem o que comer
Vem pra cá atrás do outro
Que lhe pode socorrer
Pois o que sobrar da gente
Decerto vai se perder
Pois não estando mais quente
Não presta mais pra vender
Por isso eu jogo pra ele
Que alimentado agora,
Desiste de me morder.
Poesia é encantada
De hora em hora se some
Em baixo tem um cachorro
Apelido é o seu nome
Em cima cachorro quente
O de baixo morde a gente
O de cima a gente come
Em baixo tem um cachorro
Valente como um leão
Em cima cachorro quente
Serve de alimentação
O de baixo é de carne e osso
O de cima é de carne e pão
Esta última poesia de Lulu Cristóvão, em minha opinião, é algo antológico da produção popular, principalmente, se considerarmos que foi feita de improviso quando o mesmo observava, numa Noite de Natal, as pessoas comendo cachorro quente na barraca de Maria Costa onde se encontrava também um cão de rua “gurejando” as sobras dos que ali lanchavam. Fez os versos sem ninguém pedir ou mandar, inspirado apenas no cachorro de cima que fervia e no de baixo que dormia.
Luiz Antas Ferreira, o nosso poeta popular maior nunca bebeu, porém, era fumante inveterado e, talvez por conta desse vício, contraiu câncer de pulmão e morreu em Princesa – pobre como sempre foi -, precocemente, aos 70 anos de idade, em 07 de julho de 1992, levando consigo toda uma produção de poesia popular que poderia ter sido registrada em vários livros para o deleite dos princesenses que admiram o que é bom e, por isso, merece estar inscrito no panteão dos filhos ilustres de Princesa. Ainda segundo o nosso historiador Paulo Mariano, em seu livro “Princesa – Antes e Depois de 30”, em suas palavras: “Lulu Cristóvão foi o maior poeta de cordel da nossa terra princesense”.
(Escrito por Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 28 de agosto de 2019 – blogdodominguinhos.blogspot.com )
2 Comentários
O finado Chico Rodrigues que foi funcionário do DNOCS aqui em Princesa, durante a construção do Açúde Jatobá II, conheceu Lulú Cristóvão e deixou uma poesia de pé quebrado garantindo que era da autoria de Lulú. Diz assim:
Nasci e me criei nos braços da minha terra
Hoje ela me faz guerra manchando o que é meu
É por isso que eu digo
Que ninguém tem direito de viver onde nasceu.
Conheci o grande poeta Lulu Cristóvão. Dele saíam borbotões de versos e rimas, tudo muito natural.