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Do Blog de Dominguinhos: o perfil do poeta Lulu Cristóvão

31 de agosto de 2019

LUIZ ANTAS FERREIRA, mais conhecido como “Lulu Cristóvão”, nasceu em Princesa em 1º de junho de 1922, filho de Cícero Antas Ferreira e de dona Petronila Neves da Luz, casou-se com dona Arlinda Antas Ferreira, com quem teve os seguintes filhos: Bosco; Maria das Dores; João; Aldir; Vera e Messias. Em que pese pertencer a uma das famílias mais importantes de Princesa, uma vez serem os “Antas” descendentes dos primeiros desbravadores e conquistadores deste município, Lulu Cristóvão sempre foi pobre e humilde. Estudou pouco, acredito que somente as primeiras letras e mais algumas noções de aritmética, porém, mesmo sofrivelmente, dono de uma caligrafia bonita e legível ainda que contida de erros gráficos, lia e escrevia o suficiente para fazer suas anotações poéticas. Desde criança viveu e trabalhou na roça, no mais das vezes a serviço de ricos fazendeiros, pois, nunca possuiu terras para cultivá-las. Pai de numerosa prole, sempre teve muita dificuldade para manter a criação dos filhos que, em sua maioria, ao atingirem a maioridade, embarcaram para o sul do país em busca de trabalho. Aqui em Princesa, Lulu sobrevivia de trabalhos – quando não na roça -, esporádicos a exemplo do exercício de controlador das canoas de madeiras do tosco Parque de Diversões pertencente ao seu tio materno Manoel Ferreira da Luz, mais conhecido como “Manezim Cristóvão”.

O poeta

Mesmo na condição de semianalfabeto, Lulu Cristóvão, desde cedo se apresentou como um exímio fazedor de versos improvisados. Começou a fazer versos aos 16 anos de idade, em 1938. Sempre fez da poesia o seu usual; tudo o que via ou ouvia, lhe inspirava para rimar e tudo era feito de supetão, em completo improviso; nunca escreveu nenhum caderno com poesias, tampouco publicou algo, tudo era feito na brincadeira sem aspirar nenhum interesse em auferir dividendos, fossem eles financeiros ou de reconhecimento público. Independente da iniciativa de Lulu, o professor de datilografia da Escola “25 de Maio”, Antônio Eugênio Besêrra, datilografava alguns versos do poeta que os vendia de forma aleatória como intuito de angariar alguns tostões. Fazia seus versos com a graça que lhe era peculiar e a inspiração era a que o momento propiciasse ou a sugestão apresentasse. Às vezes, quando estava muito inspirado aceitava receber algum dinheiro para recitar o que sabia décor. Em minha opinião e na dos que me auxiliaram na difícil tarefa de pesquisar com o intuito de resgatar o pouco de informações e resquícios que restaram de seu trabalho – em face de sua fantástica capacidade de improvisar sob quaisquer situações -, Lulu Cristóvão foi o maior poeta popular de Princesa, se autodenominando “A fonte luminosa da poesia”.

 

Pequeno resgate de sua extensa produção

Após muitas buscas, conseguimos reunir retalhos do muito que produziu Lulu Cristóvão. Pena que, descuidado com as anotações -, porque na sua humildade não as considerava necessárias -, a maior parte de sua produção poética desapareceu com vento que carrega as palavras por não haverem sido postas no papel. Aqui, reproduziremos algumas estrofes de alguns versos seus:

 

O INVENTOR

 

O homem faz um avião

Faz um rádio pra tocar

Faz tamborete e faz mesa

Mas não faz um formigão

Que é obra da natureza

O BÊBADO

Muita gente pergunta por que bebo

Eu respondo que já tô degenerado

Reconheço que quando estou embriagado

Faço coisas que nem sequer percebo

Eu não conto as brincadeiras que eu recebo

De parente ou de alguém que vem de fora

Já levei essa vida até agora

Se eu mudar ninguém mais me acredita

Quando a força do bêbado debilita

O caráter do homem vai embora

O CACHORRO QUENTE

Todo meio de vida

Para um homem é decente

Nada pode envergonhar

Quem trabalha pra viver

Nessa barraca pequena

Que vende cachorro quente

Vejo um cachorro deitado

Em tempo de adormecer

Se o de cima é alimento

O de baixo é pra morder

O cachorro abandonado

Que não tem o que comer

Vem pra cá atrás do outro

Que lhe pode socorrer

Pois o que sobrar da gente

Decerto vai se perder

Pois não estando mais quente

Não presta mais pra vender

Por isso eu jogo pra ele

Que alimentado agora,

Desiste de me morder.

Poesia é encantada

De hora em hora se some

Em baixo tem um cachorro

Apelido é o seu nome

Em cima cachorro quente

O de baixo morde a gente

O de cima a gente come

Em baixo tem um cachorro

Valente como um leão

Em cima cachorro quente

Serve de alimentação

O de baixo é de carne e osso

O de cima é de carne e pão

Esta última poesia de Lulu Cristóvão, em minha opinião, é algo antológico da produção popular, principalmente, se considerarmos que foi feita de improviso quando o mesmo observava, numa Noite de Natal, as pessoas comendo cachorro quente na barraca de Maria Costa onde se encontrava também um cão de rua “gurejando” as sobras dos que ali lanchavam. Fez os versos sem ninguém pedir ou mandar, inspirado apenas no cachorro de cima que fervia e no de baixo que dormia.

Luiz Antas Ferreira, o nosso poeta popular maior nunca bebeu, porém, era fumante inveterado e, talvez por conta desse vício, contraiu câncer de pulmão e morreu em Princesa – pobre como sempre foi -, precocemente, aos 70 anos de idade, em 07 de julho de 1992, levando consigo toda uma produção de poesia popular que poderia ter sido registrada em vários livros para o deleite dos princesenses que admiram o que é bom e, por isso, merece estar inscrito no panteão dos filhos ilustres de Princesa. Ainda segundo o nosso historiador Paulo Mariano, em seu livro “Princesa – Antes e Depois de 30”, em suas palavras: “Lulu Cristóvão foi o maior poeta de cordel da nossa terra princesense”.

(Escrito por Domingos Sávio Maximiano Roberto, em 28 de agosto de 2019 – blogdodominguinhos.blogspot.com )

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2 Comentários

  • Reply Lourival 31 de agosto de 2019 at 13:36

    O finado Chico Rodrigues que foi funcionário do DNOCS aqui em Princesa, durante a construção do Açúde Jatobá II, conheceu Lulú Cristóvão e deixou uma poesia de pé quebrado garantindo que era da autoria de Lulú. Diz assim:
    Nasci e me criei nos braços da minha terra
    Hoje ela me faz guerra manchando o que é meu
    É por isso que eu digo
    Que ninguém tem direito de viver onde nasceu.

  • Reply MIGUEL LUCENA FILHO 16 de agosto de 2024 at 23:09

    Conheci o grande poeta Lulu Cristóvão. Dele saíam borbotões de versos e rimas, tudo muito natural.

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