O Chefe de Reportagem chamou o repórter. “Vá ao Conde apurar essa história da prisão do padre. Tente ouvir a versão de todo mundo. Da prefeita acusada de mandar prender o padre, do padre que acusou a prefeita de mandar prendê-lo…”.
O repórter interrompeu o Chefe. “Mas, Chefe, já tem o vídeo do padre dizendo que estava sendo preso por ordem da prefeita e o vídeo da prefeita dizendo que não mandou prender ninguém”. Chefe não gostou a interrupção, deu bronca.
– Deixa eu terminar… Além da prefeita e do padre, a gente precisa ouvir os guardas municipais que supostamente deram voz de prisão ao padre e fizeram a condução coercitiva dele. Eles fizeram realmente isso? Se fizeram, por que fizeram? Precisamos ouvir pelo menos um deles.
– Ok, tá certo. Você manda… – reagiu o repórter.
– Me poupe de sua ironia, colega. Vamos ouvir o comandante da Guarda Municipal, também. Foi ele quem mandou prender o padre? Se não foi, quem? Os guardas agiram por conta própria? O padre estava cometendo de vandalismo do patrimônio público?
– Tá bom, já entendi… – disse o repórter, tentando encerrar a conversa. Mas o Chefe não parou por aí.
– Calma, colega, é crucial saber se o cruzeiro é patrimônio público – como disse a prefeita em vídeo – ou privado, ou seja, se pertence à Igreja Católica. Se for propriedade da Santa Madre, o padre podia pintar da cor que bem entendesse – explicou o Chefe.
– Tudo bem, tudo bem. Alguém pode ligar pra Cúria e apurar se o cruzeiro é da Igreja ou do município, enquanto vou lá no Conde atrás dos guardas e do comandante da Guarda – sugeriu o repórter, já se levantando, pegando o celular e a tiracolo.
O Chefe parecia convencido de ter pautado tudo o que havia para pautar, mas, antes que o repórter batesse a porta da sala, lembrou:
– Ei, não esqueça de dar uma chegada na delegacia pra saber se o delegado instaurou ou não inquérito para apurar… – tentou dizer, mas foi novamente cortado pelo repórter.
– Oxente, Chefe, o delegado já disse e espalhou em vídeo que o padre não fez coisa alguma…
– Mas ele tem, no mínimo, que apurar se houver abuso de autoridade por parte dos guardas municipais ou se o padre estava realmente cometendo vandalismo (no caso de o cruzeiro ser patrimônio coletivo e não da Igreja) e investigar também se procede a acusação da prefeita de que foi uma armação, já que no momento da pretensa prisão a casa paroquial, segundo ela, estava coalhada de gente da oposição – alertou o Chefe.
– Mas, Chefe, pode ter sido coincidência, não? – ponderou o repórter.
– Pode ser, pode ser. Pode ser também providência divina, como disse o marido da candidata da oposição à Prefeitura do Conde, que confirmou estar na casa paroquial no justo momento da alegada prisão do padre. Nesse caso, colega, não esqueça de entrevistar Deus – orientou o Chefe
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