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Do Conjur: MP não é apenas órgão acusatório e deve defender direitos de réus, diz Gilmar

10 de dezembro de 2020

O Ministério Público é uma instituição que deve proteger a ordem jurídica e os direitos fundamentais, e não um órgão exclusivamente voltado à acusação e obtenção da condenação do réu.

Gilmar Mendes disse que MP deve proteger direitos fundamentais
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Com base nesse entendimento e na ausência de demonstração de controvérsia judicial relevante, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, negou arguição de descumprimento de preceito fundamental movida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) contra Habeas Corpus coletivos concedidos pelo Superior Tribunal de Justiça. A decisão é de 3 de dezembro.

Em um dos casos, a 6ª Turma do STJ, por causa da epidemia da Covid-19, permitiu a transferência para prisão domiciliar de presos que cumprem pena nos regimes aberto e semiaberto em presídios de Uberlândia (MG) (HC 575.495). No outro, o colegiado assegurou o cumprimento da pena em regime inicial aberto a todas as pessoas que cumprem pena por tráfico privilegiado no estado de São Paulo (596.603).

O Conamp argumentou que o HC coletivo não tem previsão legal ou constitucional. Assim, ao aceitá-lo, o STJ violou os princípios da reserva legal e da separação dos poderes. A entidade sustentou que as decisões afetam os membros do MP, que são “os efeitos titulares das ações penais”. Dessa maneira, o órgão pediu a declaração da inconstitucionalidade do HC coletivo ou, subsidiariamente, sua regulamentação pelo STF.

Gilmar Mendes apontou que a tese do Conamp é baseada na “controvertida e injuriosa premissa de que a defesa das prerrogativas dos membros do MP confunde-se com o interesse processual da acusação, como se a ordem concessiva dos Habeas Corpus pudesse de forma direta violar o interesse coletivo da categoria”.

De acordo com o ministro, o MP não tem apenas o papel de acusar, mas também de postular medidas que possam proteger a ordem jurídica e os direitos fundamentais dos réus e condenados em geral.

“A instituição [MP] foi arquitetada, portanto, para atuar desinteressadamente no arrimo dos valores mais encarecidos da ordem constitucional, razão pela qual o legislador conferiu inclusive a atribuição para impetrar habeas corpus em favor de pessoas submetidas a restrições indevidas em sua liberdade de locomoção (artigo 654 do CPP)”, ressaltou Gilmar.

Segundo o magistrado, não há, sob a perspectiva institucional, antagonismo entre o Ministério Público e a Defensoria Pública, como indicado pelo Conamp. “Com efeito, ambas são consideradas como funções essenciais à justiça, com atribuições de defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis e dos direitos humanos (artigos 127 e 133 da Constituição Federal).”

Para reforçar seu ponto, o ministro citou o Projeto de Lei do Senado 5.852/2019, de autoria do jurista Lenio Streck e do senador Antônio Anastasia (PSD-MG). O PLS pretende alterar o Código de Processo Penal para estabelecer a obrigatoriedade de o Ministério Público buscar a verdade dos fatos. O objetivo é fazer com que o Ministério Público alargue a investigação a todos os fatos pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, independentemente de interessarem à acusação ou à defesa.

Ao citar a justificativa do projeto, Gilmar apontou que os autores registraram que “a atribuição de garantias constitucionais equivalente aos dos juízes confere ao Ministério Público o dever de ser imparcial ou equidistante, de modo a buscar a equanimidade (fairnesse) do Direito”.

O ministro também mencionou que, ao defender o PLS, o procurador da República Vladimir Aras disse que o texto “identifica e enuncia o verdadeiro papel do Ministério Público no processo penal, a função de uma instituição promotora de Justiça, e não a de um órgão exclusivamente vocacionado à acusação, focado na obtenção da condenação do réu a qualquer preço”.

Dessa maneira, Gilmar avaliou que o Conamp não demonstrou a pertinência temática entre o objeto da ação e as suas finalidades institucionais, “tanto pela ausência de vinculação direta e imediata do tema com as prerrogativas funcionais dos membros do MP como pela compreensão das garantias institucionais do parquet sob a exclusiva perspectiva do órgão parcial do processo, com a desconsideração das suas atribuições de proteção da ordem jurídica e dos direitos fundamentais dos indivíduos”.

Lenio Streck disse à ConJur que a decisão de Gilmar Mendes reforça que o papel do MP não é apenas o de acusar.

“O voto do ministro Gilmar é paradigmático. Diria, ruptural. Vai no cerne do papel do Ministério Público. Ele é um órgão meramente acusador? Pode fazer agir estratégico? Não. Em várias passagens do voto isso fica claro. E trazer à lume o projeto Streck-Anastasia foi providencial”, afirma.

“O mundo pensa de um modo  Alemanha, Áustria e até mesmo os EUA  e por aqui o MP se comporta como se fosse um assistente de acusação. O ministro Gilmar mostra aquilo que venho defendendo há décadas: o Ministério Público deve agir de forma imparcial. Por isso tem as mesmas garantias dos juízes. Se agir como qualquer assistente de acusação, como um mero acusador, não precisa de garantias. Por tudo isso, o voto do ministro Gilmar deve funcionar como ‘para tudo é vamos ver qual é o papel do MP'”.

Sem controvérsia
Gilmar Mendes ainda entendeu que o Conamp não comprovou haver controvérsia judicial relevante envolvendo preceitos fundamentais a justificar a ADPF.

O ministro lembrou que, em 2018, a 2ª Turma do STF ordenou a libertação de todas as grávidas ou mães de crianças de até 12 anos que estavam presas preventivamente (HC 143.641). Nesse julgamento, a corte validou o Habeas Corpus coletivo. E esse precedente foi seguido por outras decisões do Supremo.

“Registre-se que não há proibição constitucional expressa à concessão de Habeas Corpus coletivo, conforme se observa da redação do artigo 5º, LXVIII, da Constituição Federal de 1988. Ao revés, a compreensão desta norma em conjunto com o parágrafo 1º do mesmo artigo demanda a interpretação que confira o maior grau de efetividade a essa garantia judicial”, opinou o magistrado.

Clique aqui para ler a decisão
ADPF 758

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