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Domingueiras do Tião

19 de março de 2023

O CENTRO QUE CONHECI

Quem chegou agora ou nasceu de 90 pra cá não imagina que o centro da cidade já teve vida. Mas teve. E muita.

Quando vim morar aqui, em 1975, o pulmão de João Pessoa ainda era o centro histórico. Na Maciel Pinheiro ficavam as lojas de material de construção e de peças. Na B Hoan, as de tecidos, calçados e alumínio. No Viaduto, a coqueluche era se hospedar no Parahyba Palace Hotel. E no derredor havia de um tudo, os dois cafezinhos onde se agrupavam os intelectuais e artistas, a lanchonete de Zezinho do Botafogo vendendo desde o café pingado ao prato de sopa com osso dentro, o 2113 de Evilásio de Andrade, a Cherry Calçados de Argemiro, a Le Mans de Geraldo Gomes de Lima, as Nações Unidas garbosa e poderosa funcionando até às 18 horas, a King Jóia, a Jardel Jóias, a Finivest emprestando dinheiro e os bares.

Perto da API, naquele beco espremido pelo prédio da UFPB entre a Visconde de Pelotas e a Duque de Caxias, batíamos ponto na Cantina do Camões. Sua especialidade era língua ao molho de madeira que comíamos com fatias de pão francês. A Fava do Efraim, na Rua 13 de Maio, nos recebia, diariamente, mas era na sexta-feira que a turma pegava pesado, metia a cara com gosto.

Na API, criou-se o Bar de Moura.Figura simpática, comunicativa, gente finíssima, Moura se identificava com os jornalistas, a quem facilitava os penduras que seriam pagos, aos pedaços, no fim do mês.

Na esquina do antigo Fórum, na Rodrigues de Aquino, criaram um bar com nome estrangeiro: Woodstock. E o Grande Ponto de Seu João, no Cordão Encarnado… Muita coisa aconteceu ali. Namoros começaram, casamentos foram desfeitos, brigas homéricas ficaram nos anais da crônica policial. Mas aquilo que Seu João não gostava mesmo era dos velhacos que o terminaram levando à falência.

Quando aqui cheguei, a Bambu já não mais existia. Tinham fechado as portas da mais famosa e boêmia churrascaria da cidade e,  poucos dias após a minha chegada, derrubaram suas paredes de tabocas e de bambu.

Mas, se não alcancei a Bambu, vi de perto e bebi muito no Bar do Grego, que ficava na descida para a Lagoa, na Rua Barão do Abihay. Também brilhavam, com vistas para a Lagoa, a Flor da Paraíba, de um lado, e o Pietros, do outro, ambos sempre cheios e com atendimento nota dez a cargo dos garçons elegantemente vestidos com seus paletós brancos e suas gravatas borboletas. E mais majestoso ainda, um pouco mais distante desses dois, o Cassino, que reunia a fina flor da sociedade, pasto dos políticos e dos que queriam ser notícia nos boletins de Ivonaldo Correia, de Heitor Falcão, de Varandinhas e de Abelardo Jurema.

 

DONA JOANA

Ontem me flagrei sentindo saudades dos meus velhos. E, na onda da saudade, também apareceu Gutemberg Cardoso, na foto com a sua mãe, Dona Joana, que se viva estivesse completaria, em 12 de março passado, 90 anos.

Gutemberg conta um pouco da vida dela:

“Ela vinha numa companhia de circo – que passou 30 dias em Cajazeiras – e se apaixonou por boêmio fotógrafo da cidade (família rica). Quando o circo já estava em Campina Grande, ele foi buscá-la. Dois anos depois ela engravidou de mim com ele. A família conservadora sugeriu que fizesse um aborto, ela não aceitou. Grávida de três meses, fugiu para o Rio de Janeiro, temia que o filho fosse tomado ao nascer. Por isso eu nasci no Rio de Janeiro – Morro de Jacarezinho. Fui batizado e registrado na mesma igreja e cartório onde Romário foi. Sim, o bandido Escadinha também foi batizado lá”.

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1 Comentário

  • Reply José 19 de março de 2023 at 15:30

    Com todo respeito, me chamou atenção no relato a contradição e hipocrisia da sociedade conservadora brasileira. Muitas famílias que publicamente cobram dos outros certos comportamentos, julgam as pessoas em nome de Deus e em defesa da vida, ao serem confrontadas por circunstâncias que qualquer família está sujeita a se deparar, relativiza suas “convicções” e, sem cerimônia, recomendam aquilo que condenam. Como diz um observador do comportamento alheio, os conservadores brasileiros só são a favor do aborto quando o filho engravida a namorada ou quando o marido engravida a amante.

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