O PROMOTOR QUE VIROU BARBEIRO
Quando Terto inaugurou seu cabaré na Rua da Palha de Perdição, o acontecimento valeu mais pela repercussão da enorme fotografia de uma mulher pelada, mostrando a suculenta cheia de pelos, do que pela inauguração em si.
Cabaré saíra de moda desde o fechamento da última porta do antigo reduto de Estrela, na Rua da Lapa. O estoque de moças virgens estava praticamente no fim, não era mais preciso fugir pelos becos da igreja para curtir meia hora de amor nos braços de Lourdes Branca, de Toinha Baú, de Pipoca ou de Rita Quarto de Bode, o amor se oferecia em cada esquina, nos bares, nas praças, banalizou-se, virou rotina.
Via-se mocinhas sentadas ao redor das mesas trocando ideias em torno de um litro de cachaça com refrigerante, tirando o gosto com pipoca de bolota. Até motel apareceu, um em cada saída da cidade, com direito a portaria, interfone, serviço de bar e outros quitais, a cidade deixara de ser brega, o amor não conhecia mais as fronteiras da permissão, tudo podia, nada era proibido.
Mas Terto apareceu com o seu cabaré, modesto, uma casa comum com uma puxada em forma de varanda, logo em seguida o bar e lá nos fundos os quartos onde as mulheres negociavam desmerréis de sexo.
Somente alguns viciados em cabaré vibraram com a notícia, outros sequer perceberam, mas o cartaz, o maldito cartaz desenhado sob encomenda do dono do estabelecimento, chamou a atenção e escandalizou logo o promotor de justiça, um jovem cheio de boas intenções e muito puritano, que ao passar pela rodovia de acesso a Jericó, quase capota o carro quando pregou os dois olhos naquele amontoado de cabelos que enfeitava o ventre da rapariga.
A intimação não tardou. Terto foi chamado à responsabilidade e obrigado a fazer sumir aquela sem vergonhice, sob pena de enfrentar os rigores da lei.
Houve contestação, não da parte de Terto, manso por natureza, mas dos biriteiros do Bar de Gera, eternos defensores das liberdades democráticas. Até representação ao Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Vereadores foi apresentada, pedindo sua interferência ante aquele ato de força e abuso de autoridade.
Onde já se viu, apagar o bem precioso, o chamariz, o vai quem quer das mulheres? A freguesia, que já era pouca, poderia sumir de vez e Terto seria mais um falido entre os tantos que habitavam a região.
Tentativas inúteis, o promotor não arredava o pé, exigia e ameaçava.
E Terto teve que ceder.
Reuniu o raparigal, chamou a freguesia, deu as devidas explicações, denunciou a perseguição e depois, com um pincel de pintar parede melado de cal, foi ao retrato e pintou de branco a até então brilhante cabeleira preta da diva do cabaré.
O caso, como era de se esperar, repercutiu. Discursos ribombaram nas casas de intelectuais, manchetes explodiram em todos os quadrantes, até na rádio saiu a notícia, mas o que verdadeiramente incomodou o promotor foi a rima feita pelo poeta Miguezim de Princesa e publicada na revista poética da Academia Londrinense de Poesia, cuja última estrofe resumia, de forma incontestável e cristalina, a verdadeira profissão do insigne defensor da família e dos bons costumes:
“O promotor de Princesa é barbeiro de buceta.”
NIVER DE LENILSON
Lenilson é jornalista, mas, eclético, dá show no rádio. E tem voz pra isso. Quando militava nas emissoras de rádio, as notícias dadas por ele tinham mais impacto exatamente pelo tom da voz, tom convincente, grave, de verdadeiro locutor.
E quando fazia dupla com Paulo Rosendo na Tabajara, o show era completo.
Hoje cinquentão e afastado do rádio, Lenilson mostra seu talento na Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça, escrevendo primorosos textos que chegam até nós e são publicados na integra, sem tirar uma vírgula.
Ontem foi o aniversário desse cabra bom.
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