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Domingueiras do Tião

24 de dezembro de 2023

MEU VELHO

Primeiro chegou o recado: Aguardem seu pai pela manhã aí em João Pessoa.

O velho saíra de Princesa por volta da meia noite. Vinha na ambulância que riscou o chão do Ernesto Geisel às 6 da manhã do dia 20 de dezembro de 1984.

Eu e Edmilson estávamos a postos, como sempre estivemos quando o velho chegava à Capital.

Só que dessa vez ele chegava deitado na cama da ambulância, abatido, magro, cansado, com jeito sofrido.

-O que aconteceu com o senhor? -, perguntei alarmado.

-A morte do meu menino me abalou muito.

Referia-se a Robertinho, seu primeiro neto e a quem praticamente criou, morto cinco dias antes por um câncer.

Robertinho tinha oito anos.

Eu não acreditava no que via.

Aquele homem deitado e cansado não era nem a sombra do taludo sertanejo que derrubava uma roça de jurema preta em apenas um dia de serviço.

Nem o farrista que secava as prateleiras do Bar de Arlindo nos dias de folga.

Era um senhor envelhecido precocemente, abatido e alquebrado antes de completar 68 anos.

Levamos ele ao Hospital Samaritano, onde, cansado, implorava por um cigarro.

Ainda hoje me arrependo de não ter lhe dado um cigarro de fumo Arapiraca para ele dar umas tragadas.

Teria morrido feliz.

No dia 22, o médico Mazureike Morais visitava um amigo internado no mesmo hospital. Acompanhava o senador Humberto Lucena, que ao saber da internação do pai dos jornalistas Tião e Edmilson, achou-se na obrigação de conversar com o doente.

– Você sabia que ainda é meu parente? -, perguntou o senador.

E papai:

– Saber eu sabia, mas nunca disse a ninguém porque não gosto de dizer que sou parente de gente famosa.

No dia 23 o cansaço aumentou. Papai foi entubado.

No dia 24, véspera de Natal, o velho Miguel Lucena, fotógrafo lambe-lambe e líder sindical, o homem das roças e das rodadas etílicas, das serestas ao luar e da solidariedade incontestável aos seus liderados da roça, morreu.

Eu chorei como um menino novo.

E desde aquele dia, nunca mais gostei da Noite de Natal.

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3 Comentários

  • Reply Marcos Pires 24 de dezembro de 2023 at 06:12

    Chorei agorinha.

  • Reply Edmundo dos Santos Costa 24 de dezembro de 2023 at 11:01

    TENHO PAI. A MÃE SE FOI MAS A TENHO, MESMO DISTANTE, INTERNAMENTE. DESDE QUE ELA PARTIU, SUA FILHA MAIS NOVA, A DOUTORA VILMA, NUNCA MAIS FESTEJOU ANIVERSÁRIOS , NATAIS OU ANOS NOVOS. NUNCA FUI MUITO ADEPTO POIS PARA TOMAR CACHAÇA E FAZER FARRA, QUALQUER TEMPO, LUGAR OU LUPANAR, ERAM BASTANTES E PORQUE SEMPRE EVITEI A CONVIVÊNCIA COM A HIPOCRISIA, ESPECIALMENTE COM A FALTA DE RESPEITO E COMPROMISSO COM O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS QUE PRONUNCIAMOS. DE TODA FORMA VALE O FERIADO, DESDE QUE NÃO SEJA AOS SÁBADOS OU DOMINGOS. NOS NATAIS O NOME DO ANIVERSARIANTE SOMENTE SERVE COMO PRODUTO A SER EXPLORADO PELOS MARQUETINGUETEIROS QUE CONDUZEM E IMPÕEM ÀS PESSOAS, DEVERES DE COMPRAR QUINQUILHARIAS QUE NÃO PRECISAM E A PRESENTEAR COM FUTILIDADES, EM REGRA.
    FELIZ SEMPRE!

  • Reply Onildo da Cunha Batista 27 de dezembro de 2023 at 11:50

    Estou passando por isso. Exatamente faz três anos que minha mãe morreu. Da mesma forma, o Natal ficoi triste pra mim, apesar da data tão maravilhosa.

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