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DOMINGUEIRAS DO TIÃO

8 de novembro de 2020

VINTE E NOVE, TRINTA! 

A Juarez Távora, da Torre, não era aquele inferno de carros subindo e descendo em que se transformou de noventa para cá. Tinha seus movimentos, mas eram movimentos inocentes. O ônibus dirigido por Ouro Pinto subia para o Expedicionários e ele mesmo voltava algum tempo depois, fazendo o percurso de retorno ao Mercado Central, onde ficava o terminal rodoviário urbano. No meio da Avenida havia o restaurante Braseiro Continental, especializado em galeto na brasa. Fui muitas vezes ali para jantar com dona Cacilda, nos tempos de trocados curtos e de viagens de coletivos.

Tinha o cinema Metrópole, na confluência com a Bento da Gama, para onde acorriam os jovens nas tardes de domingo para as matinês e os namoros.

Mas o que era bom mesmo ficava na Aragão e Melo, que mais tarde tornou-se meu endereço por tempos demorados. Ali a programação começava com uma meiota de Engenho do Meio, tendo moela de galinha como tira-gosto, na barraca do Zeca, até que o Bandeirantes da Torre, que funcionava no mesmo local, abrisse as suas portas para a roda de samba no pé e a chumbregação com as cabrochas da torrelândia, tidas e havidas como as mais quentes da cidade.

O Bandeirantes disputava as preferências com a Malandros do Morro, localizada no mesmo bairro, pras bandas da Beira-Rio. A Malandros era uma escola de samba acostumada a ganhar títulos carnavalescos e, nos tempos sem momo, abria seu salão para as danças de fim de semana, ao mesmo tempo em que servia de abrigo às piniqueiras que afloravam nos seus limites como andorinhas atraídas pelas torres das igrejas.

Naquele tempo eu era metido a bonito. Tinha os cabelos longos, usava barba comprida, andava sempre vestindo calça boca de sino e calçando sapato Cavalo de Aço. Era a moda da época.

Tinha chegado recentemente de Princesa, onde aprendera a namorar todas as moças do lugar e as que chegavam em visita, de modo que, naquela sexta-feira, me preparei para tirar o atraso, já que fazia dias que não conhecia o que era um encosto de calor.

Entrei no Bandeirantes, depois dos preparativos na barraca do Zeca, esperei que o salão ficasse cheio e, quando a festa estava animada,  chamei a primeira para uma boa dança. Levei um corte. Chamei a segunda, a terceira, a quarta e já estava perto da décima, quando desisti. Frustrado, voltei para a barraca e meti a cara na Engenho do Meio. Lá para as tantas, porém, vi uma bela morena me espiando lá de longe. Certifiquei-me que era para mim mesmo que ela olhava e, diante da certeza, fui lá, convidei-a para uma dança, ela aceitou e ficamos a noite inteira dançando e namorando, namorando e bebendo, bebendo e dançando. Até que, pertinho da madrugada, o guerreiro, que era eu, pegou no sono. Adormeci no seu colo, feliz da vida, realizado na maior das emoções.

O dia já ia amanhecendo, quando minha amada, tocando carinhosamente no meu ombro, acordou-me, chamando para ir embora . A orquestra nem estava tocando mais. Levantei-me, pus o braço no seu pescoço e saímos pela Aragão e Melo, desfilando. Só que notei um negócio meio estranho. Minha companheira caminhava dando bundada em mim, ou seja, batia nos meus quartos com os seus quartos e, ao mesmo tempo em que batia, subia e descia como se fosse um vinte e nove, trinta.

Foi então que percebi: ela tinha uma perna curta, a bunda torta e se apoiava numa muleta de pau, que eu não percebi durante a noite por causa da Engenho do Meio com moela de galinha do Zeca da Barraca.

 

O JARDIM DE GERBASE

Nada melhor do que uma quarentena para o sujeito descobrir suas prendas. Vejam Sebastião Gerbase, nosso Basinho! Bastou ficar proibido de sair de casa para trocar o cuscuz da Torre pelas flores. E faz até versos! Como esses que aí de baixo para explicar o seu florido jardim:

Depois da melhor idade

Levo a vida sempre assim:

Valorizando o que é bom

Deletando o que é ruim

Suportando as minhas dores

Regando as minhas flores

Cuidando do meu jardim.

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