DOMINGUEIRAS DO TIÃO

O BARBEIRO

Já fazia um bom tempo que meus cabelos da cabeça e da barba não viam tesoura. A pandemia obrigou-me ao isolamento e, no isolamento, tudo cresceu: os cabelos, a barba, o bucho, os …

Minha mulher chegou a dizer que eu estava a cara do Velho do Rio, mas eu me achei mais parecido com finado Chico Buchudo, aquele famoso pescador do Cabo Branco que montou numa jangada e foi bater em Copacabana, no Rio de Janeiro.

Até que apareceu a oportunidade de dar uma guaribada nos pelos.

Passei em frente a uma barbearia no Retão de Manaíra. Bem cuidada, porta de vidro abrindo e fechando à medida que o freguês ia chegando, com jeito de quem seguia os padrões sanitários ditados pelas autoridades de saúde.

Fui lá. Um rapaz de porte atlético me recebeu e mandou-me sentar num reservado amplo, cheio de cadeiras, para esperar minha vez.

Que logo chegou.

Mas foi aí que notei um detalhe: o barbeiro usava máscara, mas a máscara do barbeiro só cobria a boca. O nariz ficava de fora.

Estranhei aquilo e perguntei por que.

Deveria ter ficado calado, pois foi depois dessa pergunta que o rapaz ligou a metralhadora giratória e não parou mais.

Primeiro disse que usava a máscara com o nariz de fora por ser imunizado, tivera a mardita e quem a teve, segundo ele, não terá mais. Eu duvidei, ele me encarou, falou dos benefícios da ivermectina e, aí lascou tudo, da cloroquina.

Tentei balbuciar:

– A cloroquina, segundo o presidente, cura até a famosa gripezinha.

Pra que fui falar no presidente?

O homem botou pra quebrar. Disse que o presidente não disse, apenas reproduziu palavras de estudiosos no assunto, que havia contra propaganda dos órgãos de imprensa atrelados a esquerda tentando desfazer o que estava fazendo o bem intencionado governante, etc etc.

A essa altura eu prendia a respiração e procurava um jeito de sumir dali.

Mas o que!

Chegou um cliente afinado com o barbeiro e os dois passaram a analisar as medidas restritivas, criticando-as, chamando-as de idiotices e de coisas da esquerda.

Mas eu quase me borrei de medo mesmo foi quando o rapaz, de navalha em punho e passando ela pelo meu pescoço a título de aparar uns pelinhos que ali nasceram, afirmou para o seu interlocutor que estava com vontade de fechar a barbearia e ir para Brasília quebrar tudo que havia no Congresso Nacional.

Sai de lá disposto a voltar a ser o Velho do Rio ou o Chico Buchudo.

 

A PRECE DA DESEMBARGADORA

A desembargadora Maria de Fátima Bezerra Maranhão mandou para o Padre Nilson e Padre Nilson divulgou no Instagram este comovente texto:

“São Paulo, cidade tão grande e poderosa, onde se concentra a maior economia desse país. Primeiro edifícios luxuosos com mármores carrara e espelhos em cristal. Tapetes persas e dinheiro em abundância nos bares, restaurantes e lojas de grifes internacionais.

Hospitais modelo. Médicos especialistas de primeira grandeza. Aparelhos, protocolos, instrumentos materiais e humanos guiados por Deus na salvação de vidas!

Eu consigo me perder na sua vasta paisagem. Vejo rostos ensanguentados, corpos chagados, vidas ceifadas estampadas nos cantos dos viadutos e nos leitos dos modernos centros de saúde.

Choro as suas dores. Só não sei se é maior do que a minha, na solidão desse quarto de hotel, vendo São Paulo do 15º  andar.

“Estás escrevendo poesia minha filha? Você não tem jeito… É muito romântica!”

“Não, meu amor. Só estou tentando descobrir, no céu, algo parecido com o meu coração.”

“Porque sempre que eu olhar para o céu verei você pilotando entre as nuvens e deixando desenhado no ar o símbolo do nosso amor.”

São Paulo, não permitas guardar rancor de ti! Não roubes de mim meu bem mais precioso.”