Waldemar José Solha
A cada notícia de morte de gente com minha idade ou ao redor dela, nos telejornais, ouço – nos meus 78 anos – uma bala zunir , tirando fino. Peter Fonda foi o caso mais recente, aos 79. Cada vez que Pelé é internado, escuto o gatilho se armar, e me preocupa seriamente a saúde de gente famosa de que gosto muito, como Roberto Carlos e Caetano Veloso.
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Mas já estou acostumado. Morri baleado no filme “O SALÁRIO DA MORTE”, aos 28 anos. De bala, novamente, aos 34, em, “SOLEDADE”. Mais uma vez de bala, aos 60, em “A CANGA”. Doente, aos 61, em “LUA CAMBARÁ”. Outra vez de bala, aos 69, em “O SOM AO REDOR”. Tive a morte anunciada, aos 70, em “ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA”. Escapei da sétima vez, em “EU SOU O SERVO”, porque o fuzilamento de que fui vítima nas filmagens foi eliminado na montagem.
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Escapei da oitava, na vida real, em 69. Como já contei tantas vezes, o matador Antonio Letreiro foi preso em Icó, Ceará, quando viajava pra Pombal, pra me apagar.
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Da nona escapei nos anos 90. Depois da segunda sensação de punhalada pelas costas, no pulmão direito, o médico da CASSI, em Brasília ( a primeira agressão fora em João Pessoa ) me disse que me sentasse, pois tinha uma notícia muito ruim pra me dar. “Pode dizer”, respondi de pé. “Você teve nova e violenta tromboembolia pulmonar.” “E o que vem a ser isso?” “Algum coágulo passou pelo seu coração – que resistiu – e partiu para o pulmão direito, onde, ante a ramificação das artérias, saiu rasgando tudo, formando esta caverna” – mostrou-me a mancha negra na chapa de raios-X. – “Você pode morrer a qualquer momento, se não for medicado logo”.
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Da décima escapei ainda em Pombal. Eu era subgerente da agência do BB e tinha contatos diários com a empresa Brasil Oiticica, que recebia toda semana apoio da sede, na capital do Ceará, através de um teco-teco. “Quando quiser dar um pulo até lá, – ofereceram-me – é só dizer”. “Ótimo!” – respondi, realmente satisfeito, pois Ione estava lá ( na casa dos pais ) com nosso filho Dmitri ainda bem novo, consultando um ortopedista. Marcado o dia do voo, a viagem foi cancelada na véspera: infelizmente, um motor da fábrica tinha dado pane e teriam de levar as peças danificadas pra Fortaleza. “OK” – aceitei. No dia seguinte, a tragédia: nada de pane em motor: tinham cedido minha carona pra Afonso Mouta, o dono do Cine Lux – único cinema do lugar – cliente muito querido, na agência, e, claro, na Brasil Oiticica. Quando ele passara diante do aparelho, pra entrar nele,fora sugado pela hélice, que lhe abrira o ventre, matando-o.
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Da décima primeira escapei não sei como. O encenador Fernando Teixeira passara a tarde conversando comigo, em minha casa e, como gosta muito de café, acompanhei-o nisso. E aconteceu que, assim que ele se foi e reentrei na sala, tive uma dor poderosa no coração, como se forte mão o apertasse. Parei, esperando cair morto. Aí essa mão se abriu e meu braço esquerdo começou a formigar. Chegou o maestro Kaplan, e, ante o tradicional “Tudo bem?” Falei-lhe do que houvera, alarmou-se: “Vamos a um hospital, ver o que é isso!” “Amanhã cedo, se o formigamento continuar”. Continuou. Disse-me o Doutor Kumamoto que a causa fora o excesso – a que eu não estava habituado – de café. Algum tempo depois, um ecocardiograma mostrou que eu tivera um enfarte. Como neste mundo nada se cria, nada se perde, a cena da sala repassei-a pra meu personagem Zé Medeiros, no romance “Arkáditch”.
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A décima segunda livrança se deu com quase a mesma história do avião da Brasil Oiticica. Ione estava novamente na casa dos pais, em Fortaleza, e fiquei sabendo que havia um avião disponível em Cajazeiras, para aluguel. Não se fazia interurbano, em Pombal, mas através de um colega do BB, radioamador, fiz contato com Monsenhor Abdon – de lá – e, através dele, com o dono do monomotor. Como a viagem me pareceu muito cara, viajei de ônibus. Aí, a notícia: no primeiro voo depois daquela conversa, o aparelho caiu e o piloto morreu, bem como seu passageiro.
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Da décima terceira tentativa da morte me livrei de modo mais original. Foi em 74. Com os originais de meu primeiro romance – “Israel Rêmora” – nas mãos, mais um belo comentário sobre ele, do jornalista Antonio Barreto Neto, fui ao Hospital Napoleão Laureano, oferecer o livro para a campanha de arrecadação de fundos que estava sendo feita pela Sociedade Feminina de Combate ao Câncer. O presidente do Laureano, Doutor Antônio Carneiro Arnaud, era de Pombal, mas eu não o conhecia pessoalmente. Conhecia, no entanto, o dentista do Hospital, Dr Raminho – também da cidade onde eu vivera oito anos. Pronto – era tentar chegar ao chefe, através dele. Agendei o encontro, fui lá, mas a secretária me disse que esperasse um pouco no pátio em frente, enquanto ele terminava o trabalho com um cliente. Fiz isso. E foi minha salvação. Lendo os cartazes que havia nas paredes, vi um deles alertando: “Cuidado com manchas duradouras nos lábios”. Ao ser recebido, disse ao amigo que – antes da conversa que tinha agendado – queria lhe dizer que vira o tal cartaz e, “olha esta mancha clara, circular, aqui”, mostrei-a no lábio inferior. E ele: “Ih, tem de tirar isso imediatamente, ou vai ter um câncer aí!” No dia seguinte fui operado. Lembro-me de que a anestesia não pegou, o doutor me perguntou se poderia ir em frente, eu disse que sim, senti o corte do bisturi. Aí o amigo tirou algo de dentro de meu lábio e me mostrou: era um cartão muito alvo, surpreendentemente espesso.
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CONCLUSÃO: vida longa a Pelé, Robert o Carlos e Caetano Veloso!
5 Comentários
O homi escapou de um câncer, embolia pulmonar, queda de avião, enfarte em um dois corações, pois deve ter dois, e das balas do Pistoleiro Antônio Letreiro, etc…etc.. etc…..
Viva Matusalém ll, para séculos sem fim, amém!
Lembro desse senhor quando bem jovem residiu aqui em Pombal, trabalhando no Banco do Estado da Paraíba. Lembro também na mesma época do saudoso Bezerra que fez uma peça teatral. Posso estar enganado por causa da minha idade avançada. Mas, se tiver errado, me corrijam.
Sr. Queirós está enganado. Waldemar, que não é o pedreiro, autor do texto, trabalhou em Pombal no Banco do Brazí varoní. E Bezerrão não é saudoso porque está vivaço. P.S. Tião, eu agora lembrei do nosso conterrâneo ZÉ MEDEIROS que não podia ver uma foto antiga e matava todo mundo. Lembra ?
Ele morreu
Tião, esse Waldemar Solha é um escritor foda. Eu tive o prazer de ser recebido por ele um dia em sua casa, no Bairro dos Estados, acho que em 2014. Ele tinha acabado de participar, como ator, do filme “O som ao redor”, do igualmente genial Kleber Mendonça. Fui levar para ele o meu livro “A Dançarina e o Coronel”, com uma opinião crítica do dito cujo na orelha. Era noite, Conversamos por mais de hora. Você nem imagina a emoção que senti naquele momento. Eu estava conversando com uma lenda vida da literatura brasileira, estava diante do sujeito que tinha escrito “A verdadeira estória de Jesus”, “Zé Américo foi Princeso no trono da Monarquia”, “Israel Rêmora” e “A canga”, entre outros títulos, e todos por editoras do sul do país, por conta de seus prêmios literários conquistados. Solha é paulista, mas radicou-se na Paraíba na década de 70, gostou tanto que adotou a terra como sua.