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E lá se foi Armando Nóbrega

14 de agosto de 2020

Pensei que Armando Nóbrega já tivesse morrido. O seu silêncio me dizia isso. Armando não era de ficar em silêncio, a não ser que estivesse morto. Mas estava vivo até a madrugada desta sexta. Vivia numa espécie de asilo em Santa Luzia, sua terra. E morreu pela madrugada, aos 72 anos.

Era um excelente jornalista.

Quando comecei na imprensa, ele já era fera.

Dono de bom texto, tinha trânsito livre em todos os jornais da terrinha. Paparicado pelos políticos, tratava a todos eles de igual para igual, sem subserviências.

Presepeiro, lembro daquele causo dele e de Chico Pinto com o capelão da PM, imortalizado no meu livro “Nos Tempos de Jornal”:

“Houve um tempo em que jornalista era pobre. Aqui, na Paraíba, contava-se nos dedos quem tinha dinheiro para comprar um carro. Se lembro bem, apenas Marcelo da Rocha, o Bosta Preta, Varandinhas e Heitor Falcão possuíam seus veículos e isso, diga-se, porque havia o “por fora” que possibilitava o aumento no poder aquisitivo.

Por isso, a turma tinha que fazer  malabarismos para escapar. O de comer, por exemplo, era minguado e a mesa somente ficava farta quando dos jantares e almoços dos políticos nas confraternizações natalinas. No resto do ano, escapava-se com a sopa no Ponto de Cem Réis, ou, então, filando a bandeja do Restaurante Universitário.

Chico Pinto sempre passou bem, pois tinha lábia para derrubar avião. Basta dizer que ele foi o único a conseguir derrubar o arcebispo Dom José Maria Pires na conversa. Chegou para ele todo choroso e contou que estava prestes a desistir do vestibular, porque não tinha o dinheiro da inscrição. Dom José apiedou-se, puxou a carteira do bolso da batina e passou para Pinto a verba educacional, que foi gasta numa rodada de cerveja na Flor da Paraíba.

Como repórter, Pinto aproximou-se do capelão Eurivaldo Caldas, major da PM e historiador. Fez umas cinco reportagens com ele e, depois de amaciá-lo, contou seu drama: a fome que estava passando a falta de vitaminas para sobreviver. O bom velhinho não conteve as lágrimas e determinou que a partir daquele dia Pinto comeria no rancho do quartel, junto com os soldados e cabos. Pinto começou a engordar.

Acontece que seu companheiro de farras e desditas, Armando Nóbrega, ao saber da novidade, quis, também, entrar na fila do rancho. Tanto pediu, tanto insistiu, que  Pinto concordou leva-lo ao Padre Eurivaldo. Feitas as apresentações, o capelão concordou com a entrada de Armando na fila do bandejão. E Armando, querendo agradar o padre, indagou-lhe com seu sorriso matreiro:

-Seu padre, quando é que o senhor vai virar papa?

Padre Eurivaldo botou os dois para fora da sala e, chamando o ordenança, determinou:

– Se aparecerem para comer a bóia de vocês,metam os dois na cadeia”.

Bom Armando, grande Armando, até a vista.

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3 Comentários

  • Reply Frutuoso Chaves 14 de agosto de 2020 at 12:33

    Uma pena. Eu o conheci no antigo prédio de A UNIÃO, aquele que foi derrubado para a edificação da Assembleia Legislativa, onde ele atuou como repórter e, eu, no copydesk. Era dono de um texto objetivo, enxuto, sem rodeios. Certa vez, quando eu já dirigia a Redação de O NORTE, ele me procurou em busca de emprego. “Está contratado e já vou te dar a primeira pauta”, disse-lhe. Para surpresa minha, pediu para assumir noutra oportunidade. E não mais voltou. Acho que tinha em mente outra coisa e apenas me procurou por garantia, caso o projeto inicial não desse ceeto. Eiu não sabia dele, há um tempão. Uma pena, mesmo.

  • Reply Silas Velozo 4 de fevereiro de 2021 at 08:51

    Armando Nóbrega, meu amigo, conheci em 1977. Andarilho, fui indo de carona e trens de BH a João Pessoa, onde vivi 6 meses. Meus primeiros textos publicados em jornal foram graças a ele. Poucos, um poema ao dia do índio, artigo sobre o filme-documentário “Corações e mentes” da guerra do Vietnã e crônica poética a Augusto dos Anjos. Voltei a BH, fiz minha vida aqui. Décadas depois, por volta do ano 2000, recebo carta dele, remetida ao antigo endereço de meus pais. Incrível. Ele me perguntava se eu estava vivo e bem. Respondi enviando-lhe meu primeiro livro de poesia, “Sim”. Fez bela crítica literária da obra, publicou no jornal “O Norte” e assim mantivemos correspondência regular, até o AVC impedi-lo de escrever. Continuamos a nos falar por telefone eventualmente. No fim, voltei às cartas, poucas, pois não conseguia mais compreendê-lo, sua dicção sofreu sequelas do AVC. Quero fazer um texto em homenagem a essa grande pessoa, com trechos de nossas últimas missivas. Por acaso você teria textos literários dele? Agradeço sua atenção para com ele. Abraço.

    • Reply Sebastião 4 de fevereiro de 2021 at 10:27

      Não tenho, infelizmente.

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