opinião

EM NOME DA ROSA

1 de outubro de 2023

 

Por GILBERTO CARNEIRO


“A ROSA antiga permanece no nome”.
Essa frase foi extraída da clássica literatura de Humberto Eco, que dá nome ao título deste texto, e adequada para definir a postura de Rosa Weber, ministra do STF, aposentada essa semana da Corte Constitucional Suprema do nosso País, uma voz sempre ativa em defesa das minorias.

A “Rosa” permanecerá lembrada como a ministra que, na condição de presidente da suprema corte, pautou temas extremamente polêmicos e complexos, como: “da regra da paridade de gênero em tribunais de segunda instância, da descriminalização do aborto e da descriminalização da maconha”.

 

De logo, convém alertar os leitores que a intenção desta crônica não é, mesmo de longe, a emissão de opinião contrária ou favorável aos temas. A abordagem é a coragem que moveu a “Rosa” para retirar das calendas ações judiciais que tramitavam há tempos nos gabinetes dos ministros, e com esse gesto, forçar a sociedade a debater assuntos com enormes repercussões na vida das mulheres e de jovens pobres, em sua maioria.

A “Rosa” rendeu homenagens às mulheres. Sob sua presidência, o Conselho Nacional de Justiça aprovou regra que favorece a paridade de gênero em tribunais de segunda instância. Hoje, as promoções de juízes de carreira para os tribunais baseiam-se em dois critérios: antiguidade e merecimento. Resolução aprovada por pressão da “Rosa” criou duas listas para a ascensão por merecimento – uma mista, com homens e mulheres, como é atualmente, e outra, apenas com magistradas. O modelo de alternância vigerá até que os tribunais tenham entre 40% (juízas) e 60% (juízes) na sua composição.  A regra será aplicada aos tribunais de justiça estaduais, tribunais regionais federais e os tribunais regionais do trabalho. Uma “rosa” para a “Rosa”.

O tema da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras 12 semanas de gestação foi pautado por “Rosa” e, independente do resultado do julgamento, traz a importância do debate sobre a ausência de políticas públicas voltadas às mulheres com baixas renda e escolaridade. Estudos revelam que 70% das mulheres submetidas ao procedimento não fazem uso de métodos contraceptivos; com um dado intrigante, a média de idade destas jovens submetidas a abortos induzidos e espontâneos é de apenas 23 anos.  Não o bastante, despertou atenção a constatação que a criminalização afasta as mulheres dos serviços de saúde, pois tem medo de serem discriminadas, presas, atacadas e acusadas por realizarem um aborto. Esse sentimento é mantido mesmo quando estão em situações de abortamento espontâneo, ou de aborto legal, dentro dos três permissivos que a legislação brasileira acoberta: quando a gravidez é em consequência de um estupro; quando a gravidez põe em risco a vida da gestante; ou na hipótese do feto anencefálico. Outra “rosa” para a “Rosa”.

Quanto a descriminalização da maconha para uso pessoal, recreativo ou medicinal, a discussão consiste na possibilidade de se definir uma determinada quantidade da substância que não possa configurar posse para fins de tráfico. A ação analisa um recurso de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões — da Defensoria Pública de São Paulo que contesta a punição prevista na lei antidrogas especificamente para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”. A Defensoria apresentou a ação após um homem ser condenado por portar 3 gramas de maconha. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, votou pela descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, sugerindo fixar entre 25 gramas e 60 gramas a quantidade permitida ao usuário, tendo sido acompanhado por mais quatro ministros, suspenso devido a um pedido de vistas. A “Rosa” incluiu o processo, que estava parado desde 2015, na pauta. Chamou atenção, em meio à discussão sobre o tema, a existência de 180 mil pessoas presas no país por tráfico de drogas. No entanto, pesquisa do IPEA revela que, em 59% dos casos, o porte da substância era menor que 150g, e que, a depender do estabelecimento de limites de quantidade para porte de maconha, de 27% a 48% dos condenados por tráfico, apreendidos com a substância, poderiam ser absolvidos. A mediana nacional é de 85g. Para estudiosos, o cenário do sistema prisional mostra que o combate às drogas com foco no usuário não é eficaz. uma grande quantidade de encarcerados desse contingente é decorrente do uso de maconha para consumo próprio, isso porque a legislação não fixa parâmetros para diferenciar consumo de tráfico. Mais uma “rosa” para a “Rosa”.

É certo que os julgamentos mencionados não terão o condão de legalização dos temas abordados. O papel do debate e votação sobre a legalização cabe ao Congresso Nacional. No entanto, condenar a conduta da “Rosa” e, consequentemente do SUPREMO, por pautar os julgamentos de temas tão sensíveis, é uma cortina de fumaça para encobrir a omissão dos nossos legisladores sobre a discussão e votação de temas tão complexos, porém com repercussões efetivas nas vidas de muitas pessoas.

“A Rosa antiga permanecerá no nome”, no legado da sua coragem ao encarar de frente temas sensíveis, alavancando o debate com a sociedade civil. Ao promover e fomentar a discussão destes temas complexos que fazem parte da nossa pauta de costumes, os tirando de debaixo do tapete, a “Rosa” passa a ser digna não de uma “rosa”, mas de um “buquê” ornamentado por flores com aromas doa campos da democracia, afinal “os intolerantes podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”.

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