Emplastro Sabiá

Dia desses dei de cara com conhecida figura da administração pública estadual, com quem até então mantinha uma espécie de estreita convivência.

O homem fez que não me viu.

Estávamos numa reunião de condomínio, ele se postara perto da entrada, eu perto da entrada estava, o dito cujo sequer procurou um local mais apropriado, na entrada estava, na entrada ficou e, para evitar um cumprimento ou ao menos um olhar, passou a reunião inteira olhando pra cima.

Fiquei preocupado. Será que ele não adquiriu um torcicolo por causa daquela posição de sentido e daquele olhar perdido nas cumeeiras do telhado?

Depois eu concluí que a nova postura se devia aos novos tempos. Eu e a figura vínhamos de tempos pretéritos, mas por conta de certas tramas do destino, nossos caminhos se separaram. Eu optei por continuar caminhando ao lado das caminhadas pretéritas, ele se amoldou aos novos caminhos e, na impossibilidade desses caminhos se cruzarem outra vez, o ex-amigo me trocou por um telhado.

Nem sei se valeu a pena a minha opção caminhante, porque o tempo, senhor da razão, tem me ensinado coisas que até o cão duvidaria da possibilidade de sua existência.

É meu defeito.

Não sei fingir, não conheço amizade pela metade e tenho ojeriza à ingratidão.

Mesmo eu sendo, em muitos momentos, vítima de atos ingratos.

Mas, voltando ao caso do amigo que olhou pra cima:

Juro que quase abandonei a reunião para ir à farmácia comprar pra ele um Emplastro Sabiá.