Memórias

Era sábado ou domingo

5 de janeiro de 2020

 

Sábado! O que tem o sábado de tão especial? Muitos dirão: praia! E é um bom dizer. Eu tive meus sábados e domingos de praias. No Cabo Branco, na Toca do Bobó, fazíamos ponto. Os meninos ficavam soltos na água, a mulher estendia a toalha na areia e ficava a namorar com o sol, que lhe queimava a pele. Eu ficava no Bobó batendo o papo com a cachacinha e com aquele caldo de feijão com camarão tão especial.

2 – Não havia Lei Seca e não avaliávamos o risco de sair depois de tudo dirigindo o carro Cabo Branco acima, até chegar a um farol que se podia visitar de carro sem ter medo de derrubar a barreira. Depois, casa, banho para tirar o sal, almoço e cama. Os meninos nem zoavam, de tão satisfeitos com o excesso de mar e correria.

3 – Antes disso, bem antes mesmo, nos tempos de sertão, o sábado era feira livre. O quebra queixo dos Arapapacas virava sanduiche com pão francês. A turma comia e depois bebia água de caneco, tirada do pote de barro, cuja boca Luizinho Arapapaca cobria com uma toalha da saco para proteger a água dos ventos carregados de poeira.

4 – Mas tinha mais a se ver. O homem da jaca vendia jacas enormes, que a turma comia por entre as pedras da Lagoa, engolindo os bagos e cuspindo os caroços na terra. E as mangas espadas, doces como açúcar, eram chupadas por Buziga de Zidoro como se fossem os famosos manjares celestiais falados na missa pelo velho padre Frei Manoel.

5 – Uns preferiam os bares. O de Arlindo, na entrada da feira, o de Maria do Ó, que vendia peixe frito pescado no Açude Velho, mais pra cima, na Rua Grande, o de João França reunia a elite endinheirada, e, descendo pelo beco do São Roque, Zé Brejeiro recebia os cachaceiros,atraídos pelo famoso Pau Dentro e pelo Caldo de Mocotó.

6 – A turma da safadeza se postava nas imediações da Lagoa “pescando” matutas ávidas por um carinho. E os cheiros de amor invadiam os céus do sertão, cheiros de lavanda, de incensos comprados no banco de Joaquim Zuca, de brilhantinas que escorriam pela testa, derretidas pelo sol, e de suores expelidos pelos corpos agitados no frenesi dos amassos.

7 – O ponteiro do tempo correu para mais adiante e agora surgem as imagens de sábados dançantes em românticos assustados. Radiola, discos, sons de amores e pares desfilando pelo salão quase escuro, rostinhos colados, suspiros quentes bafejando nucas arrepiadas de desejos não confessados e namoros surgindo sem precisar pedir ou suplicar. Os corações, juntinhos, colados, falavam uns para os outros.

8 – Havia a missa, depois dela os passeios pela rua maior. Rapazes e moças, subiam e desciam num desfile calculado, olhares se trocavam, sorrisos discretos falavam dos desejos e dos ciúmes. Uns, mais afortunados, andavam de mãos dadas, envoltos num clima de sonhos.

9 – E as serenatas varavam a madrugada, somente encerrando quando o sol de domingo botava a cara no alto da serra avisando que estava na hora de dormir para pegar a missa matinal a ser avisada dali a pouco pelo sino de Dão Mandu.

10 – O mar continua o mesmo, mas sem a Toca do Bobó. A feira cresceu, ficou rica, expulsou de suas vielas os bares de Maria do Ó, de Zé Brejeiro, de João França e de Arlindo. Não há mais assustados. Bartolomeu foi morar no céu

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