opinião

“Está difícil continuar de pé”

1 de outubro de 2020

Já disse a alguém que estou aqui neste batente há 43 anos. Comecei em 1975, como foca do jornal A União  e de lá para cá tive altos e baixos, fui muita coisa e coisa nenhuma, mas nunca baixei o gogó e jamais deixei de ser o que sou.

Nunca me escondi sob máscaras fingidas, tampouco vendi carne por lebre a ninguém. Sempre joguei aberto e, ao contrário de estrelas que apareceram no tempo ou depois de mim, nunca me servi da capa de isento para ostentar a falsa imagem de jornalista sem lado.

Eu sempre tive lado, sempre assumi o que sou. Por isso levei trombas , fui processado, condenado algumas vezes, demitido outras tantas de empregos por pura perseguição política, tive uma recondução para o cargo de juiz classista do TRT anulada em plena madrugada a pedido de um figurão da política local, mas, como todos sabem, escapei, estou aqui, meio enferrujado pelo tempo, mas com a mesma cara, o mesmo jeito, e o que é melhor, sem dar o direito a seu ninguém de me apontar na rua como um sem vergonha ou sem pudor.

Não fiquei rico, mantive a mesma vida ao longo desses 43 anos de estrada. E não invejo os que chegaram como meteoros e de repente se viram milionários, donos de mansões e de carrões.

Só Deus sabe como conseguiram isso.

Mas constato, infelizmente, que o jornalismo mudou. E mudou pra pior.

Antigamente o jornalismo era um sacerdócio, agora virou negócio.Os penas alugadas invadiram os espaços e mandam no pedaço. E se dão bem.

Perdeu-se o pudor, enterraram a vergonha.

As prostitutas foram aposentadas com o fechamento dos cabarés e substituídas por pseudos comunicadores que fazem da imprensa um meio de ganhar dinheiro sob a ameaça da chantagem.

Não são todos, felizmente. Ainda tem gente boa na praça.

Mas é uma gente que míngua, escasseia, está sumindo.

Os bons jornalistas estão se rendendo ao silêncio.

E o lugar vago é preenchido por semianalfabetos que mal alinhavam uma frase, mas têm um talento enorme para o despudor.

Está difícil continuar de pé.

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4 Comentários

  • Reply Ubiratan Lemos 1 de outubro de 2020 at 22:29

    Parabéns aos heróis que resistem bravamente a manter um jornalismo serio e comprometido com a verdade real.

  • Reply Severino A Santos de Lima 2 de outubro de 2020 at 03:24

    Caro jornalista Tião Lucena, se você é esse homem de reta consciência e de bom caráter, parabéns: “Uma alma que se eleva, eleva o mundo”. Via de regra, o justo se encontra com Deus, porque aquele busca e Esse se deixa encontrar. É assim, não há outra dinâmica, a não ser para aqueles que se afastam do Bem, e percorrem caminhos largos, quiçá, no início, comendo deliciosos doces, mas saboreiam frutos amargos, no final da caminhada. Com efeito, não vale a pena ser vendilhão, mormente quando no exercício de uma profissão tão nobre como o jornalismo. Parafraseando Thiago de Mello, não existe caminho novo, mas o novo jeito de caminhar, sem atalhos! Mais uma vez, parabéns.

  • Reply Sebastião Gerbase 2 de outubro de 2020 at 07:12

    O que você diz é tudo verdade, Tião. E quem não gosta de você é por um só motivo: a verdade dói!

  • Reply CHICO OLIVEIRA 2 de outubro de 2020 at 18:36

    PREZADO TIÃO LUCENA. A propósito deste arrazoado memorialista, o duro exercício da função de jornalista de forma honrada tem efeitos e gera consequências. Mas as quatro citações abaixo, frases de Karl Popper, possivelmente definem e traduzem desafios de tua trajetória, pois creio que tem tudo a ver com a profissão.
    1- A possibilidade de lutar com palavras, em vez de lutar com armas, constitui o fundamento da nossa civilização.
    2- A tentativa de trazer o céu para a terra invariavelmente produz o inferno.
    3- Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos.
    4- A história do poder político nada mais é do que a história do crime internacional e do assassínio em massa.
    * Karl Raimund Popper foi um filósofo e professor austro-britânico. (1902-1994)

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