Confira seu primeiro artigo intitulado ‘Democracia, Estado de Direito e Soberania Nacional’
Para que se possa compreender a crise de longa duração que alcança o Brasil, e cujo epicentro está localizado na política, é preciso tomar uma certa distância da conjuntura para entender o contexto mais geral no qual ela se processa, muitas vezes a partir de iniciativas de agentes que não disputam o jogo devidamente caracterizados, ou mesmo de forma transparente. Nesse sentido, é preciso considerar inicialmente que existem instâncias de poder que são “invisíveis” no tabuleiro político, porque se camuflam como agentes extra-políticos, ao atuarem para incidir de forma direta nas agendas e prioridades dos Estados-Nação, em todo o planeta.
Inscrevem-se nessa categoria, as grandes companhias transnacionais e o sistema financeiro nacional e internacional que, fazendo pressão por uma vasta pauta liberalizante e globalizante, interferem de forma decisiva em todas as iniciativas que tenham por primado o desenvolvimento soberano. São instrumentos privilegiados para seus fins um enorme poder midiático, que atravessa os veículos tradicionais, mas que tem como lugar de destino privilegiado a comunicação digital. É particularmente aqui que os destinos de países e projetos políticos vêm sendo jogados, em total assimetria de meios e recursos.
Em todos os casos relevantes, são denominadores comuns: a possibilidade material, financeira, tecnológica, psicossocial, de incidir sobre o processo de formação da opinião pública, por meio da ação do poder econômico concentrado e da manipulação dos afetos. Os procedimentos são relativamente constantes, e envolvem o uso de bancos de dados imensos, propiciados pelas redes sociais, para entregar mensagens microssegmentadas, tendo por meta explorar os ressentimentos, as inseguranças; produzir vagas de descontentamento que, invariavelmente beneficiam justamente o projeto político dos que financiam essas iniciativas de “marketing”.
Golpe nas Democracias
É sobretudo a democracia representativa que se vê golpeada violentamente por essa tecnologia social e política, uma vez que preponderam os interesses dos que têm poder econômico e midiático para enviesar a opinião pública, rompendo-se desse com o que é essencial a esse regime político, ou seja, a ideia basilar de que a cada eleitor corresponde apenas um voto – note-se que com essas práticas regredimos a um regime de voto censitário. Os resultados desse modo abjeto de fazer política são evidentes na América Latina, continente que foi “reorientado” para a direita, desfazendo-se os governos de inclinação popular-democrática que foram hegemônicos até um passado recentemente.
Muitos argumentarão que foi a corrupção que varreu o continente da centro-esquerda, mas essa avaliação é frágil, especialmente porque abundam as evidências de que têm havido vários vícios ao longo dos processos, seja na produção de provas, na isenção das magistraturas, ou ainda por meio das pressões exercidas via redes sociais, com o objetivo de produzir resultado específicos no âmbito judiciário.
Há, contudo, um modo efetivo de visibilizar o que está implicado com o jacobinismo legal a que temos assistido no Brasil. Tomemos sua máquina processante, a partir dos principais resultados econômicos a que deu causa: destruição de empresas nacionais competitivas e privadas nas áreas de serviços complexos de engenharia, construção, exploração de petróleo e gás, química fina. Alijamento da Petrobrás da condição de player mundial, em um segmento absolutamente estratégico como energia. Ainda mais, dinamitado o centro dinâmico da economia nacional, o país se vê às portas da depressão, com desemprego galopante, perda da renda assalariada, empobrecimento que se dirige novamente à miserabilidade que havíamos superado.
A destruição da Soberania Nacional Brasileira
Pergunta que não quer calar: por que no Brasil, diferentemente da experiência mundial, as empresas foram punidas, preservando-se por meio do instituto da delação premiada, seus executivos e principais acionistas? Simplesmente porque o alvo do jacobinismo – assentado em uma parte do judiciário, e que toma também porção do parlamento nacional – sempre foi a transferência, em grande escala, da propriedade de ativos estratégicos nacionais, para os centros mundiais de poder. Fatos recentes, por sinal, desnudam esse caráter.
A grande lição política, portanto: não existe soberania onde fraquejam o estado de direito, o devido processo legal e as regras com as quais se participa do jogo democrático. Como é comum, o veneno aponta para o antídoto. A tarefa prioritária das forças progressistas consiste, exatamente, em recompor esses fundamentos, sem os quais o povo não tem qualquer chance contra os interesses da ordem internacional, em benefício da qual parte de nossa elite costuma prestar os serviços torpes da capatazia.
* Ex- governador da Paraíba
Edição: Heloisa de Sousa e Cida Alves
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