Cotidiano da cidade

Funeral de João Pessoa é tema de livro a ser lançado neste sábado

12 de abril de 2023

Um dos maiores funerais ocorridos no Brasil, de personalidades da vida pública, ocorreu em 1930 com a morte de um paraibano. Trata-se do então governante do Estado da Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, cujo corpo permaneceu insepulto durante 14 dias, sendo transportado de trem e navio por várias capitais brasileiras, até chegar ao Rio de Janeiro para finalmente ser sepultado.

Esse é o tema do livro “A Farra do Meu Cadáver”, de autoria do escritor e teatrólogo Tarcísio Pereira, que será lançado na manhã desse sábado (15/04), na Livraria do Luiz, centro da capital João Pessoa. O livro está sendo publicado pela Editora Penalux, de São Paulo, e aborda uma parte da história ainda pouco explorada em toda a bibliografia sobre o assassinato de João Pessoa.

O autor, Tarcísio Pereira, disse que escreveu um romance de ficção tendo por base os acontecimentos reais de um funeral que paralisou o Brasil, comoveu a população e resultou no movimento político que ficou conhecido como Revolução de 30. “João Pessoa tinha sido candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas. Mas como Getúlio não foi eleito, os adeptos da Aliança Liberal, que era o partido dele e de João Pessoa, não engoliram a derrota e tentaram encontrar um motivo para impedir a posse do presidente eleito Júlio Prestes. Esse motivo chegou quatro meses depois das eleições, com o assassinato de João Pessoa”, disse o autor.

Com essa declaração, o escritor justifica o título que deu ao seu novo livro: A Farra do Meu Cadáver. “Porque o que fizeram com o cadáver de João Pessoa foi uma verdadeira farra política”, disse, acrescentando: “O assassinato de João Pessoa, pelo advogado em jornalista João Dantas, não teve nenhuma relação com as eleições presidenciais do Brasil. Ele foi morto por questões políticas locais da Paraíba e até por razões pessoais do assassino, mas os getulistas tentaram associar o crime às eleições gerais como forma de comover a nação e levar o povo a um levante revolucionário, o que acabou acontecendo.”

No romance “A Farra do Meu Cadáver”, o narrador é o próprio João Pessoa morto, que descreve todos os detalhes do seu funeral em cada lugar por onde passou. “É o morto dentro do caixão que vai descrevendo as cerimônias e também as conversas de pé de ouvido ao lado do seu féretro, numa narrativa que evolui para os preparativos do levante revolucionário que se aproxima”.

Ao longo das suas 216 páginas, o livro detalha vários episódios que ocorreram durante 14 dias, desde as últimas horas de vida do protagonista, andando pelas ruas do Recife, passando pelo momento do crime e a chegada do corpo no Rio de Janeiro, diante de uma multidão com cerca de 100 mil pessoas. O autor explica que, apesar de ser um romance, teve o cuidado de realizar uma intensa pesquisa para compor um romance verdadeiramente histórico, e que pode ser lido como História.

O lançamento será às 10 da manhã desse sábado (dia 15), na Livraria do Luiz, localizada na Galeria Augusto dos Anjos, por trás do prédio da Assembleia Legislativa. A apresentação da obra será feita pelo poeta e crítico literário Hildeberto Barbosa Filho. Abaixo, segue um trecho da obra, na passagem em que João Pessoa descreve a sua chegada na capital da Bahia:

TRECHO

“Tudo aqui é o Clero, às voltas de um defunto católico e de instrução apostólica romana. Mas não comentam – talvez porque se envergonhem – os ritos manifestados por outras formas de crença, os rogos aos orixás e os cantos iorubanos que só lembram senzalas entristecidas: durante a noite recente, até às três da matina, o que o vento soprou nos desvãos do navio foram sons e batuques dos candomblés da cidade. Além disso, centenas de pescadores estiveram em vigília com seus saveiros acesos, e todos boiavam em torno do paquete como os guardiões de uma santidade. Ao amanhecer, o que mais se viu nas águas deste cais foi um roseiral de pétalas à deriva, uma infinidade de balangandãs e outras oferendas flutuantes.

Mas, aos repórteres que chegam e fazem perguntas, os tripulantes respondem com outras palavras:

 

– Os alunos de todas as faculdades e colégios de moças estiveram incorporados a bordo do navio, trazendo rezas e ramalhetes…

 

Alunos ou pescadores, beatas ou mães-de-santo, políticos da Madre Igreja e oficiais da Justiça, seguidores nagôs e babalorixás, todos convergem num sentimento comum que vai além dos seus cultos. É o manifesto de quem se sente lesado pela perda de um deus. É o desespero de quem ver ruir o credo que preguei quando estive aqui. Em janeiro último, quando palmilhei nessas capitais em concorrência política, deixei o eco dos meus discursos como candidato a Vice-Presidente. É bem verdade que perdemos o pleito, mas havia um programa de renovação e tudo aquilo foi reverberado em todos os ouvidos desta nação. Se não passavam de palavras bonitas, elas retornam como um evangelho pelas circunstâncias de um assassinato. Por mais amado que seja, um vivo não causa espécie e a morte é que faz o herói.”

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