POR FRUTUOSO CHAVES
Os bastidores do golpe militar de 1964, na Paraíba, não serão devidamente percebidos sem a leitura do que escreveu e do que declarou, em entrevistas diversas, o ex-deputado Joacil de Brito Pereira.
Partícipe direto desses acontecimentos, ele foi uma espécie de líder da facção civil capitaneada pelos grandes proprietários de terras e disposta ao enfrentamento armado se isso se fizesse necessário à anulação do presidente João Goulart e à de seus seguidores, a exemplo do governador de Pernambuco Miguel Arraes.
É de Joacil – falecido em 2012, perto dos 90 anos de idade – uma das melhores narrativas sobre a indecisão do paraibano Pedro Gondim, que teve origem no PSD. Eleito para o comando do Estado pelo PDC com o apoio maciço das classes trabalhadoras, nisso incluído o voto da zona rural, Pedro relutava entre o apego às hostes que o levaram ao Palácio da Redenção (desorganizadas e sem condições para a resistência) e as forças conservadoras já com baionetas e tanques nas ruas, naquele 31 de março.
Pois bem, com o golpe em marcha, o Palácio funcionou por quase toda a madrugada de 1º de abril. Reunido com os auxiliares para discutir a situação, o governador sucumbiria às pressões da maioria. Além do mais, recebera a visita nada amigável dos coronéis Ednardo d’Ávilla e Plínio Pitaluga que dele exigiram uma definição.
Segundo Joacil, Ednardo evitou que o colega de farda prendesse Pedro, ali mesmo, no instante em que ambos o perceberam evasivo e relutante.
Porém, raiado o sol, a Rádio Tabajara punha no ar a mensagem governamental vazada nesses termos: “Não posso e não devo, neste instante de tanta inquietação nacional, deixar de definir minha posição, na qualidade de governador dos paraibanos. Reafirmo, preliminarmente, todos os pronunciamentos que expendi em favor das reformas essenciais, por saber que elas constituem instrumentos legais de adequação aos novos problemas do povo. E neste sentido nunca faltei com o meu estímulo e apreço ao Governo Central”.
E mais: “Os últimos acontecimentos, verificados no Estado da Guanabara, envolvendo marinheiros e fuzileiros navais, denunciaram, porém, inequívoca e grave ruptura na disciplina em destacado setor das classes armadas, com desprezo às linhas hierárquicas e completa alienação às prerrogativas da autoridade, sustentáculo autêntico da segurança nacional. O movimento que eclodiu nestas últimas horas em Minas Gerais, com repercussão em outros Estados, não é mais nem menos do que a projeção de acontecimentos anteriores, numa tentativa de recolocar o país no suporte de sua estrutura legal, propiciando clima de tranquilidade –
indispensável ao processo desenvolvimentista que vivemos”.
E, por fim: “ O pensamento político de Minas Gerais hoje, como em 1930, identificou-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episódio e, sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime democrático”.
Pedro somente seria cassado, com fama de comunista quando ocupava o cargo de deputado federal, quase cinco anos depois, após a promulgação do Ato Institucional nº 5, o mais draconiano e perverso dos decretos da ditadura militar.
De resto, também sofreriam cassações o deputado federal Antonio Vital do Rego e o suplente Osmar de Araújo Aquino. Na Assembleia Legislativa do Estado o regime ditatorial teve desocupadas, por banimento político, as cadeiras dos deputados José Maranhão, Ronald Queiroz, Robson Espínola, Romeu Gonçalves de Abrantes, Francisco Souto Neto e Mário Silveira. Também, o suplente Sílvio Pélico Porto. Cinco deles, curiosamente, pertenciam ao partido do governo, a Arena.
OUTRAS CASSAÇÕES – Em 1969, a ditadura também afastava da vida política, por dez anos, o então prefeito de Campina Grande Ronaldo Cunha Lima. Conhecido por sua verve, ele assim explicou, certa vez, o motivo de sua cassação:
“Não estou bem certo, mas suponho que tenha decorrido de críticas que fiz a um regabofe dos militares, no Grupamento de Engenharia, à base de dezenas de perus. Comentei que, pelo menos na Paraíba, ninguém poderia dizer que a Revolução fora feita sem sangue”.
Logo que chegaram ao poder os militares também trataram de destituir reitores de universidades públicas. Um deles, o paraibano Mário Moacyr Porto, também dono de uma verve impressionante, comentou, assim, a sua demissão:
“Recebi comunicado do Comando do Grupamento de Engenharia com o aviso de que, a partir de então, meus serviços à Universidade Federal da Paraíba não eram mais necessários. Fui tratado por Vossa Senhoria, o que me fez perceber que a primeira cassação fora a do título. Mas tiveram o cuidado de acentuar que meu afastamento não se dava em função de qualquer ato desabonador de minha conduta. Quer dizer: fui cassado com elogio”.
ABELARDO – Um paraibano de Itabaiana, Abelardo Jurema, ministro da Justiça de João Goulart, esteve, por conta disso, no olho do furacão.
Desencadeado o golpe, foi procurado pelo brigadeiro Moreira Alves interessado em obter de Jango a ordem para jogar 50 aviões da Força Aérea brasileira contra as tropas de Mourão Filho que desciam de Minas Gerais. “Por esse preço não quero ficar no poder”, respondeu o presidente.
Fugido do País, Abelardo estabeleceu-se em Lima, a Capital do Peru. Um dia acordou, às 10 da noite, com batidas à porta. Atendeu, temeroso, ao chamamento, para quase morrer de susto. Era Jânio Quadros, por cuja renúncia Jango fora feito Presidente da República: “Vim visitar um ministro do meu País que, para sobreviver, vende charutos”, disse o visitante.
E, de pronto, perguntou ao dono da casa: “Já tens dinheiro para uísque?”. Abelardo só tinha para pisco, uma bebida local. E Jânio, sem se fazer de rogado: “Serve. Traz uma bem gelada”. (Texto que produzi, há quatro anos, para a edição impressa do finado Jornal da Paraíba. Na ilustração, a primeira página do velho e incorrigível O GLOBO)
5 Comentários
Apenas arrolou como deputados quem nunca foi a exemplo de Ronald Queiroz. Acho que Silvio não era suplente, mas titular afastado para ser secretário. O mais o relato é condizente com a verdade, segundo os depoimentos de testemunhas oculares da história. Primorosa a escrita como soe acontecer com o autor. Abraço
meu caro Tiao, mais uma vez estou aqui para repor a verdade. Vou responder à altura porque o meu pai nunca fugiu de ninguém. Ao contrário, reagiu ao golpe criando aRede da Legalidade, uma cadeia de rádio liderada pela radio Nacional de onde bradou contra o levante , conclamando a reação popular. Foi preso no aeroporto Santos Dumont quando pretendia viajar para Brasília e reassumir o seuj mandato de deputado federal. Foi levado para o Quartel General da Urca onde sofreu agressões e constrangimentos. Liberado ,temporariamente, pelo general Bizarria Mamede, sabendo que a temida polícia do governador Carlos Lacerda estava a sua procura, inclusive com a invasão da nossa casa na Cesário Alvim 27, com sua segurança ameaçada, pediu asilo na embaixada do Peru onde permaneceu asilado por 45 dias até receber o salvo conduto do governo Brasileiro e seguir, em avião da FAB, para cumprir o seu exílio em Lima , onde permaneceu por quase cinco anos , após ter tido todos os inquéritos em que figurava como réu , sem apresentar advogado de defesa, arquivados por absoluta falta de provas. Lamento a ignorância do autor da matéria em relação aos fatos que marcaram a história política do país e dos seus protagonistas.
Lamento que esse texto , com tantas inverdades, tenha sido escrito por um profissional que foi meu contemporâneas de O Norte e por quem sempre tive admiração e apreço. Elamento que a matéria tenha merecido uma manchete inverossímil, que não se coaduna com o perfil do meu pai e não tem respaldo nos compêndios dos historiadores que retratam a aquele episódio que faz parte da biografia de tantos paraibanos que lutaram pela democracia.
Caro Tião.
Jamais duvidei do destemor do ministro Abelardo Jurema, a quem entrevistei várias vezes e de quem sempre gostei. Acho que era correspondido pois, certa vez, me surpreendeu com elogio pessoal, feito a mim, na coluna que então ele assinava no “Jornal do Comércio” do Rio.
O termo “fuga”, aqui empregado, não traz o significado da covardia. E não acho que eu tenha contribuído para que se entenda isso. Sei da resistência do ministro, similar, na ocasião, à de outras expressões nacionais, Brizola entre elas.
Abelardo teve que deixar o País. Fuga forçada, portanto, mas fuga. Não empreendê-la seria suicídio. E é neste sentido que eu apliquei o termo. Eu o entrevistei para matéria que a Revista “A Carta” publicou em agosto de 1990, de onde pincei o encontro com Jânio Quadros. Frustrados os esforços para salvar o governo de Jango (e a democracia, no que me concerne) ele foi escondido por amigos a fim de escapar dos perseguidores, até o ingresso na Embaixada (no seu caso) e, dali, até o exílio no Peru. No que fez bem.
Lastimo que um texto escrito há quatro anos, quando foi publicado no Jornal da Paraíba, desperte, agora, reação tão inesperada, porquanto Abelardo, o filho, também me conhece. Vamos deixar o despropósito por conta destes tempos bicudos, de nervos à flor da pele.
Meu caro Frutuoso,
Em nome de uma velha amizade consolidada num dos momento áureos da imprensa paraibana, quando tive o prazer de trabalhar ao seu lado e de outros craques do jornalismo da nossa terra, peço-lhe desculpas se extrapolei em minha argumentação em defesa do meu querido pai, que voce tão bem conheceu. Sempre mantivemos um relacionamento muito afetivo e de muito respeito de parte a parte, e não gostaria que isso fosse maculado com um episódio isolado e agora esclarecido. Como disse, certa vez, o velho Abelardo ao seu amigo Higino Brito, quando ambos divergiram de um determinado assunto:
– Vamos acabar com isso Higino. Nem eu nem voce temos mais tempo para construirmos uma amizade de cinquenta anos…”
Forte abraço
Olá, Abelardo. Eu não deveria estar surpreso com seu pedido de desculpas. E não estou. Por tudo o que já escrevi sobre seu Pai dentro e fora da Paraíba e pelo testemunho pessoal que tenho dado sempre que a figura cativante do Abelardão vem à tona nas conversas entre amigos, eu sabia que isso ocorreria em breve tempo. Também alimentava esta certeza uma velha máxima popular: quem sai aos seus não degenera. Um abraço.