Eu pensava que Gonzaga Rodrigues fosse um sujeito distante, poético demais para se achegar aos da planície. Lia as suas crônicas e nelas vislumbrava apenas o poeta da prosa, nunca o brincalhão atrapalhado que, depois, descobri nele.
Corria o ano de 1978, Tarcísio Burity assumia o Governo no lugar de Dorgival Terceiro Neto e nomeava Gonzaga diretor de A União. Gonzaga, somente, não. Também, assim, Nathanael Alves. Um na direção técnica e, o outro, na superintendência.
O diretor Gonzaga reuniu o corpo de jornalistas para uma avaliação preliminar da mão de obra de que iria dispor a partir da posse ocorrida na API. Conversou, falou bonito, contou causos, histórias vividas nos seus longos anos de imprensa e, ao final, convidou a todos para uma cervejinha gelada ali perto de onde a reunião acontecia. Perguntou se alguém sabia onde poderíamos tomá-la e eu, querendo agradar o chefe, sugeri:
– Que tal o Cassino da Lagoa?
– Que Cassino que nada, Bastião. Eu gosto é de bar pobre – cortou Gonzaga, sem admitir contestação.
Já na labuta diária do jornal, aconteceu aquele caso do rapaz morto na cama de um famoso médico paraibano, em Recife. Um escândalo. Os jornais daqui botaram para lascar em banda. Gonzaga era amigo dele e me designou para ir a Recife, a fim de retratar a verdade. Desejava limpar o nome do amigo, figura tradicional, sobrinho de outra famosa figura de renome. Fui e ali tive acesso ao inquérito, li o depoimento à Polícia e transcrevi os trechos mais interessantes, precisamente, aquele onde o médico explicava que pôs o rapaz para dormir consigo, porquanto o moço, de 24 anos, estava com frio.
Gonzaga engoliu em seco, mas publicou tudo. Em nome da boa imprensa, aquilo não podia ser escamoteado. E o resultado é que teve de aguentar um tranco danado, com as cabeças coroadas da Paraíba querendo a dele.
Dona Cacilda, então minha noiva, também trabalhava em A União e passou a secretariar Gonzaga. Determinada ocasião, chega Gonzaga ao gabinete com uma bolsa cheia até a boca. Senta na poltrona, mexe naquilo e depois sai para resolver alguns problemas na oficina. Dona Cacilda, que fora à cantina tomar café, retorna à sala e encontra aquele desmantelo: a bolsa arreganhada e notas de dinheiro espalhadas por tudo quanto era canto.
Ele tinha a mania de perder os sapatos. E dona Cacilda, como boa secretária, recebia o encargo de encontrá-los. Certa vez, Gonzaga saiu de meias pelo parque do Jornal e só veio notar isso quando um espinho lhe perfurou o calcanhar.
Pior foi naquela vez em que Dona Cacilda entrou no banheiro para lavar as mãos e sentiu algo enganchar no salto alto da sandália. Olhou melhor e viu uma cueca zorba, toda dobrada, enganchada, desprezada, jogada no chão. Voltou para a sala onde Gonzaga estava e contou sobre o achado. E ele: “Meus meninos me deram mas eu não quero aquilo, não. Fica me apertando as partes. Eu gosto mesmo é de samba canção, viu neguinha?”. Disse isso e foi embora, só no osso.
Gonzaga me ensinou que chefiar e impor respeito é um dom que o sujeito traz do berço, sem carecer de pompa, ou de arrogância.(Do meu livro que ainda vai sair “Nos Tempos de Jornal”)
2 Comentários
O maior cronista de todos os tempos, esse tal de Gonzaga.
Tião, rapaz, cadê o livro? Tá demorando demais!
Tião, Gonzaga é o maior jornalista de todos os tempos da Paraíba, além disso é um homem de muita sensibilidade e humanidade. Quem teve o previlégio como você de trabalhar com ele sabe do que estou falando.