1. DO ESTADÃO:
Causou compreensível estupefação o conteúdo de conversas atribuídas a integrantes da força-tarefa da Lava Jato e a Sergio Moro, então juiz responsável pelos processos relativos à operação e hoje ministro da Justiça. Se as mensagens forem verdadeiras, indicam uma relação totalmente inadequada – e talvez ilegal – entre o magistrado e os procuradores da República, com implicações políticas e jurídicas ainda difíceis de mensurar. Por muito menos, outros ministros já foram demitidos.
(……)
“Nem o ministro Sergio Moro nem os procuradores citados desmentiram o teor das conversas divulgadas. Em nota, Moro limitou-se a criticar ‘a falta de indicação da fonte’ – que nenhum jornalista é obrigado a revelar – e a ‘postura do site, que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo’ – embora não haja nenhuma regra que obrigue o repórter a ouvir quem quer que seja antes de publicar uma reportagem. Sobre as mensagens em si, o ministro Moro disse que, em sua opinião, ‘não se vislumbra qualquer anormalidade’. Reação semelhante teve a força-tarefa da Lava Jato, que, em nota, informou que ‘os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade, de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de operação’. Ou seja, tanto o ministro Moro como os procuradores da Lava Jato não enxergam em sua relação bastante amistosa e às vezes colaborativa algo que fere um dos princípios mais comezinhos do Estado de Direito, aquele que presume simetria entre acusação e defesa no tribunal”.
2. DA FOLHA:
“Quem acompanha a movimentação de juízes, policiais e procuradores desde que se instalaram as mais ambiciosas e bem-sucedidas operações anticorrupção no Brasil não se surpreendeu, infelizmente, com a revelação da proximidade, às raias da promiscuidade, entre o então magistrado federal Sergio Moro e investigadores da Lava Jato”,
(………..)
3. PUBLICADO NA REVISTA ÉPOCA, PELO COLUNISTA CONRADO HÜBNER MENDES:
Sergio Moro se fez um expoente da escola “la garantía soy yo”. Suas condutas podem parecer suspeitas, seu senso de oportunidade pode favorecer a uns em prejuízo de outros, as regras gerais do direito podem ser desobedecidas, mas seu status moral o coloca acima desses desvios. Sua conduta será avaliada em nome da missão heroica que delegou a si mesmo, não da regularidade dos meios que usa para persegui-la. Quando praticado por ele, desvio se converte em virtude. Quem consegue ser admitido nessa escola passa a ser regido por um regime particularista, não pelo regime geral.
Lembremos que, anos atrás, quando interpelado pelo STF por seus atos ilegais no processo penal, respondeu assim: “Jamais foi a intenção deste julgador, ao proferir a aludida decisão, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a esse Egrégio Supremo Tribunal Federal. O levantamento do sigilo não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos, algo estranho à função jurisdicional (…)”.
O “regime de respeitosas escusas” blindou a conduta de Moro. Foi o que o TRF-4 chamou de “soluções inéditas para casos inéditos”, no voto do desembargador relator Rômulo Pizzolatti numa representação contra o juiz Moro. Aos casos comuns, regras comuns; aos casos particulares, regras particulares e heroísmo.
A reportagem do “Intercept Brasil”, assinada por Glenn Greenwald e publicada nesse domingo, 9 de junho, trouxe luz e enredo ao que muitos observavam à distância: o julgador (Moro) orientava e cooperava com o acusador (força-tarefa da Lava Jato). Aquilo que a modernidade liberal separou em nome da justiça penal, a Lava Jato uniu. Não bastasse a desconfiança que já pairava sobre a operação, que se agravou no período eleitoral e piorou com a conversão do herói em ministro do governo que se beneficiou de seu heroísmo, agora podemos ler até as conversas. A missão de limpar o Brasil não era só retórica de declarações públicas, e permeava as trocas íntimas entre dois de seus principais atores, Moro e Dallagnol.
Houve corrupção de funções no maior processo de combate à corrupção da história do país. Se isso já não era claro, se isso ainda não está claro, quando estará? A filosofia morista, que autoriza o juiz a dobrar o Direito para fazer “o bem”, afetou irremediavemente a credibilidade das decisões tomadas ao longo dos anos da operação. Não fosse o bastante, o Intercept agora nos ajudou a dar um colorido literário ao caso.
Se tudo isso afeta o passado, o que dizer do presente e do futuro? Sergio Moro é hoje um ministro da Justiça reduzido ao tamanho que lhe quis dar o Presidente. Esse tamanho é muito menor do que qualquer um imaginava, mas ele esperava ao menos uma cadeira no Supremo Tribunal Federal como contrapartida. Em tempos de normalidade democrática, os fatos revelados dariam fim a esse sonho e tornariam inviável a continuidade de seu cargo no Ministério. No entanto, os tempos são outros, e o “la garantía soy yo” já se pronunciou: “Não se vislumbra qualquer anormalidade”, em suas palavras.
3 Comentários
Qual investidor externo vai querer investir em um país que um juiz e um procurador torcem a lei pra condenar quem eles não gostam?
Ontem o Wadih Damous, ex-ṕresidente da OAB, ex-deputado federal, já havia listado alguns
dos crimes que poderiam ter sido cometidos pela turma da Lava-Jato, de acordo com as
conversas divulgadas pelo The Intercept.
Mas, o artigo publicado pela Cult (não confundir com a CUT), merece uma leitura.
A CONSPIRAÇÃO QUE DESTRUIU O ESTADO DE DIREITO NO BRASIL
A matéria publicada pelo The Intercept traz elementos suficientes para, em tese, fundamentar a convicção de que procuradores da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro teriam praticado o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, antes denominado de quadrilha ou bando, agora “associação criminosa”: associação de três ou mais pessoas para o fim específico de cometer crimes. Para a caracterização desse delito não importa se os crimes se consumaram ou se a condenação era tecnicamente possível. Basta a chamada volunta celeris.
Assim, em princípio, aparecem prevaricação, a prática de ato de ofício contra expressa disposição legal, fraude processual, inovar artificiosamente na pendência de processo o estado de lugar, coisa ou pessoa, e abuso de autoridade.
A plena caracterização desses delitos é questão técnica e certamente será alegada pelos supostos responsáveis a doutrina do fruto da árvore contaminada, a possível origem ilícita da prova.
Mas a técnica do Direito Penal não se confunde com ética e política e estes são os aspectos devastadores que emergiram. Não nos interessa o furor punitivo penal que turva neste momento a racionalidade de parte da sociedade.
Importa-nos notar as evidências a respeito de uma associação entre agentes do estado para, no lugar de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos individuais dos investigados e acusados, colocar as instituições – Ministério Público e Justiça – a serviço de interesses políticos.
Articularam-se para manipular dados da investigação contra o ex-presidente Lula e outros acusados. Uniram-se para, mediante artifícios, burlar a evidente ausência probatória e influenciar a sociedade a favor de seus anseios particulares. Violaram, assim, de modo incontroverso, princípios relativos à imparcialidade do juiz, ao juiz natural, ao devido processo, à ampla defesa e ao contraditório.
Moviam-se os conspiradores para impedir a vitória de Haddad. Receavam que uma entrevista de Lula poderia favorecê-lo. Confabulavam sobre o “timing” da divulgação criminosa dos áudios de Lula e Dilma para interferir no processo político. Receavam a vitória do PT e utilizavam do poder que detinham como agentes públicos para que a direita, ou a extrema-direita, ganhassem as eleições.
Importam, pois, os aspectos políticos que mudaram a História do país. Um grupo de agentes públicos, utilizando o poder que os cargos lhes conferiam, traindo de forma vergonhosa, abjeta, as obrigações mais elementares a que estavam sujeitos, agiram para interferir ilicitamente no processo político, criar as condições para o impedimento da presidenta que fora legitimamente eleita pelo voto de 54 milhões de cidadãos, condenar e prender um ex-presidente da República que por acaso era o candidato favorito às eleições, à frente em todas as pesquisas, e ao fim e ao cabo, criaram as condições para o caos político e institucional que vivemos.
Em síntese: vimos agora as provas, diretas e irrefutáveis, de uma conspiração que destruiu o Estado de Direito no Brasil. Que fez do regime político em que estamos estado de exceção. Que manipulou a opinião pública para fraudar as eleições. Que, com essa manipulação, criou as condições para que tivéssemos na presidência da República um homem notoriamente despreparado que está destruindo o que podíamos ter de sociedade democrática e transformando o país em selvagem terra de ninguém, um faroeste sem lei e sem regras.
Importante, dizer, no entanto, que já havia provas suficientes deste imoral e ilegal conluio antes mesmo da revelação do já histórico trabalho jornalístico do The Intercept. As autoridades brasileiras preferiram, como se diz em linguagem da internet, “passar o pano”. O mérito das revelações é que isto, agora, é grande demais para as instituições abafarem, o rei está nu.
Disto tudo resultam questões políticas tremendas. A necessidade de imediata demissão de Sergio Moro, sob cujo comando serão efetuadas as investigações. A ilegitimidade do mandato presidencial e de mandatos do Congresso Nacional, eleitos em solares violações da ordem democrática, do turvamento da vontade popular, da manipulação dos grandes órgãos de imprensa, das máfias das poucas “famiglie” que controlam a comunicação no país e direcionam a opinião pública.
Os tresloucados da Lava Jato foram, na verdade, o braço armado, armado de letais, devastadoras canetas, de uma conspiração em que, de um modo ou de outro, grande parte da elite brasileira esteve envolvida. Nada conseguiriam os rapazes se não houvesse um concerto de vontades, se não houvessem poderosos interesses que deveriam prevalecer a qualquer custo, ao preço da destruição da democracia, ao preço da violação sistemática da Constituição ao ponto de ser transformada em letra morta, ao preço da aniquilação de direitos dos trabalhadores e dos que estão na parte mais baixa da pirâmide social. Eles foram os que fizeram o trabalho sujo, que, usando uma palavra mais elegante, enfiaram a mão na lama.
O que há de sensato e racional nas esferas políticas e institucionais tem que reagir. Não se trata de esquerda ou direita. Trata-se de decência. De retirar o país das garras da delinquência política e da delinquência propriamente dita. O Brasil não pode continuar a ser conduzido pelo fruto de uma escancarada fraude jurídica e política, um governo fruto de uma conspiração, que alcançou o poder graças a uma infame associação criminosa.
Diante desses fatos, a permanência de Lula na prisão, com tudo que se sabe agora, é insustentável. O governo é ilegítimo e a operação lava jato está em ruínas.
Que se coloquem definitivamente na ordem do dia estas duas questões: liberdade para Lula, eleições gerais.
MARCIO SOTELO FELIPPE é advogado e foi procurador-geral do Estado de São Paulo. É mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP
PATRICK MARIANO é advogado criminalista, mestre em direito pela UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
GIANE AMBRÓSIO ALVARES é advogada, membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas e mestre em Processo Penal pela PUC-SP
Pelo currículo dos que escreveram a carta, e todos os argumentos comprovados, só temos que concordar