opinião

JUSTIÇA INTERROMPIDA

1 de dezembro de 2024

 

Por GILBERTO CARNEIRO

 

A LUTA por RECONHECIMENTO tornou-se rapidamente a forma paradigmática de conflito político no fim do século XX. Reivindicações de reconhecimento por diferenças alimentam lutas de grupos mobilizados sob a bandeira da nacionalidade, da etnicidade, da raça, de gênero e sexualidade. Nesses conflitos pós-socialistas a identidade de grupos substitui o interesse de classes como principal substrato da mobilização política perdendo força a redistribuição sócioeconômica como remédio para combater a injustiça, a desigualdade e a exploração econômicas.

Reivindicações pelo reconhecimento de diferenças de grupo têm ganhado enorme destaque nos últimos tempos, às vezes eclipsando reivindicações por igualdade social. Muitos atores parecem afastar-se de um imaginário político marxista que é a redistribuição, e aproximar-se de um imaginário pós-socialista, em que o problema central da justiça é o reconhecimento. Com essa mudança, os movimentos sociais que mais se destacam não são mais definidos de um ponto de vista econômico, como classes que lutam para defender seus interesses, acabar com a exploração e conquistar a redistribuição. Em vez disso, os movimentos são definidos de um ponto de vista cultural, como grupos ou comunidades de valores que lutam para defender suas identidades, acabar com a dominação cultural e conquistar reconhecimento. O resultado é a dissociação de política cultural e política social, bem como um relativo eclipse desta por aquela.

 

Uma situação que bem exemplifica é a proposta anunciada pelo governo Lula de isentar o Imposto do Imposto de Renda de quem ganha até cinco mil reais, beneficiando diretamente 35 milhões de pessoas, caso o nosso Congresso Nacional aprove a medida. Na linha da efetiva política de redistribuição a equipe econômica do governo, liderada pelo ministro Fernando Haddad, divulgou que o reajuste na isenção do IR não aumentará os gastos do governo pois uma fonte de compensação será criada com a sobretaxa daqueles que ganham acima de 50 mil reais, equivalente a pouco mais de 100 mil pessoas, somado a isso, o fim das pensões vitalícias para os militares. Medidas econômicas de cunho redistributivo genuína.

 

Anunciado o pacote de medidas econômicas pelo governo a reação do famigerado Mercado foi imediata, com o dólar ultrapassando a casa dos seis reais. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, capacho do mercado, apressou-se em dar uma coletiva para informar que o reajuste na isenção do IR só será votado próximo ano.

 

Todavia o que surpreende é que não está havendo uma mobilização dos sindicatos, associações, movimentos sociais ou mesmo extratos da sociedade que serão beneficiados com o reajuste na isenção do Imposto de Renda, que beneficiará direto 35 milhões de pessoas, ao contrário do que aconteceria se o tema fosse reivindicações pelo reconhecimento de diferenças.

 

Talvez o grande problema do pós-socialismo seja esse deslocamento da redistribuição para o reconhecimento, como se as lutas por justiça distributiva tivessem perdido a relevância, ocasionado, de certa forma, pela visão exacerbada dos redistributivistas que pensam que as reivindicações econômicas igualitárias não passam pelas reivindicações por justiça racial e de gênero, por entenderem que essas reivindicações são meramente culturais e não econômicas.

 

Uma linha de reflexão que procura o equilíbrio entre as duas correntes ideológicas é defendida pela professora Nancy Fraser, em sua obra “Justiça Interrompida – reflexões críticas sobre a condição pós-socialista”: “o problema é achar que estamos diante de uma escolha inevitável: política de classe ou política de identidade? Política social ou Política cultural? Igualdade ou Diferença? Redistribuição ou Reconhecimento? A grande sacada do que chamam de pós-socialismo é compreender como as reivindicações por reconhecimento podem ser integradas às reivindicações por redistribuição em um projeto político abrangente”.

 

Ou a Esquerda acorda para buscar esse intercâmbio entre as duas correntes ideológicas ou cada vez mais veremos minorias sendo sobrepujadas pela extrema direita.

 

 

 

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