A Segunda Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve condenação por danos morais proferida em Primeira Instância a uma mulher que enganou o ex-companheiro, por mais de oito anos, em relação à paternidade de uma criança. Somente após pleitear a guarda da menor o homem foi surpreendido pela ex-mulher com a revelação de que ele não seria o pai biológico dela, por mensagens vexatórias de celular, chamando-o de ‘trouxa’.
O recurso apresentado pela mulher, que buscava o reconhecimento da paternidade socioafetiva, foi parcialmente provido apenas no sentido de reduzir o valor da indenização, a fim de atender aos princípios da razoabilidade de da proporcionalidade, de R$ 20 mil para R$ 5 mil, em atenção à condição econômica das partes.
Consta dos autos que o casal manteve um relacionamento amoroso e que eles foram morar juntos em março de 2011, quando ela já estava grávida de dois meses. A relação durou pouco mais de três anos. O casal se separou, mas reatou em 2017, voltando a morar junto por seis meses, quando a relação terminou e a criança foi morar com a avó materna. Em razão de morar longe da casa da avó materna, o que dificultava as visitas, o suposto pai teria ajuizado a ação de guarda em desfavor da genitora da criança, em 2018.
Com o ajuizamento dessa ação, a animosidade entre o ex-casal acirrou-se, e, conforme se vislumbra de trechos de mensagens de SMS enviadas pela genitora da criança em 2019, esta sugeriu que o apelado não seria o pai. Segundo os autos, somente nesse momento ele teria se atentado para a possibilidade de não ser o pai da menina, tanto é que, dois dias após o recebimento das primeiras mensagens, às suas próprias expensas, providenciou o exame de DNA, o qual restou negativo, confirmando as alegações feitas pela mãe da criança nas mensagens de SMS.
“Assim, pelas datas das mensagens no celular, e a data em que o apelado providenciou o exame de DNA – justamente no dia seguinte à Sra. XXX ter enviado as mensagens alegando que ele não seria o pai da menor, de se concluir que até então, o apelado acreditava ser o pai biológico da menor, razão de ter registrado a infante em seu nome”, destacou a relatora do recurso, desembargadora Marilsen Andrade Addario.
Após ter ajuizado a ação de guarda, o suposto pai ajuizou a Ação Negatória de Paternidade cumulada com Anulação de Registro Civil e Indenização por Dano Moral e Material, julgada procedente. “Assim, acertada a conclusão a que chegou o magistrado sentenciante, no sentido de que o apelado foi induzido a erro pois sempre acreditou que a menor era sua filha, registrando-a em decorrência dessa crença que lhe parecia legítima, ou seja, foi levado a erro pela apelante (genitora da menor), a qual só verbalizou a possibilidade de este não ser o pai da criança muitos anos mais tarde, via mensagens de celular”, complementou a relatora.
Na ação, a mulher alegou que o ex-companheiro sabia que não era o pai biológico da criança e que mesmo assim teria optado por fazer o registro no Cartório de Registro Civil. Contudo, tal alegação não foi comprovada. Isso porque, para a relatora, se ele já soubesse que não era o pai da criança, não teria por que a ex-mulher, após discussões acerca da guarda da menor, enviar-lhe mensagem de texto dizendo crer que ele não era o pai biológico da criança. “Descabida pois, a tese recursal de paternidade socioafetiva. Ao revés, claro está que foi induzido ao erro pela genitora da criança.”
“Vale ressaltar que a regra é a irrevogabilidade do reconhecimento de paternidade realizado voluntariamente, a teor dos artigos 1.601, 1.604, e, por analogia, o 1.609 do CC/2002, contudo, tal ato é passível de desconstituição judicial quando o declarante desconhece fatos que influenciariam na externalização da sua vontade ou quando não tenha plena compreensão da realidade, como aconteceu in casu”, explicou a desembargadora.
Ainda conforme a magistrada, em que pese a existência de afeição entre ambos os litigantes, mormente porque conviveram como se pai e filha fossem durante os três primeiros anos da infante, tais laços/afinidades não se mostram suficientes para a condenação do requerido no ônus da assunção da paternidade socioafetiva, como quer a mãe da criança, justamente pelo fato de que ele, até a véspera da realização do exame de DNA, desconhecia o fato de não ser o pai biológico da menor.
“Ao se pretender impor judicialmente ao apelado a paternidade por afinidade, sem sombra de dúvida, a última coisa que a criança terá do Sr. XXX será os sentimentos de afeição, carinho, proteção e amor, muito menos, um ambiente que lhe permita crescer de forma saudável”, observou a relatora.
Assim, ficou mantida decisão que determinou a exclusão do nome do apelado e de seus ascendentes do assento de nascimento da menor, assim como o desobrigou a prestar alimentos à criança.
O processo tramita em segredo de justiça.
Lígia Saito
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
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