Memórias

Lampião quase vira cláusula da Constituição de 1934

18 de julho de 2020

Lampião, o cangaceiro, quase vira cláusula da Constituição da República de 1934.

As investidas do Rei do Cangaço contra cidades, fazendas e , mais ainda, seus confrontos com as forças policiais, renderam discursos inflamados no Congresso Nacional.

Documentos guardados nos Arquivos do Senado e da Câmara mostram que os parlamentares trataram do tema na tribuna em inúmeras ocasiões.

Em 1926, o senador Pires Rebello (PI) discursou:

— Quem vive nesta capital da República [Rio], poderá achar que o governo tem feito a felicidade completa dos brasileiros. Ofuscados pelos brilhos da luz elétrica, é natural que os cariocas não saibam que naquele vasto interior existem populações aquadrilhadas fora da lei que zombam da Justiça e ridicularizam governos.

As investidas de Lampião eram tão brutais que, na Assembleia Nacional Constituinte de 1934, deputados nordestinos — a Assembleia não teve senadores — redigiram cinco propostas para que a nova Constituição previsse o combate ao cangaço como obrigação do governo federal.

A repressão cabia as volantes, batalhões itinerantes das polícias dos estados. O que parte dos constituintes desejava era que o Exército reforçasse a ação das volantes. O deputado Negreiros Falcão (BA) afirmou:

— Os Lampiões continuam matando, roubando, depredando, desvirginando crianças e moças e ferreteando-lhes o rosto e as partes pudendas sem que a União tome a menor providência. Os estados por si sós, desajudados do valioso auxílio federal, jamais resolverão o problema.

O deputado Teixeira Leite (PE) lembrou que os governos estaduais eram carentes de verbas, armas e policiais:

— A força policial persegue os bandoleiros, prende-os quando pode e mata-os quando não morre. Hostilizados de todos os lados, recolhem-se à caatinga e se tem a impressão de que o bando se extinguiu. Mera ilusão. O vírus entrou apenas num período de latência. Cessada a perseguição, os facínoras repontam mais violentos e sequiosos de sangue e dinheiro, apavorando os sertanejos e a polícia.

Leite explicou por que seria diferente com o Exército em campo:

— Que bando se atreveria a aproximar-se de uma zona onde estacionassem tropas do Exército, com armas modernas, transportes rápidos e aparelhos eficientes de comunicação?

Outra vantagem era que as tropas federais podiam transitar de um estado a outro. As estaduais não tinham tal liberdade — e os cangaceiros tiravam proveito disso. Uma vez encurralados em Alagoas, por exemplo, os bandidos escapavam para Sergipe, Bahia ou Pernambuco, estados nos quais as volantes alagoanas não podiam atuar.

Nenhuma das propostas que davam responsabilidade ao governo federal vingou, e a Constituição de 1934 entrou em vigor sem citar o cangaço.

— Na nova Constituição, vamos invocar o nome de Deus. Vamos também constitucionalizar Lampião? — ironizou o deputado Antônio Covello (SP).

Para o deputado Francisco Rocha (BA), o cangaço exigia “remédio social”, e não “remédio policial”:

— As causas do cangaceirismo são a falta de educação, estrada e justiça e a organização latifundiária preservando quase intactas as antigas sesmarias coloniais, para não mencionar a estúpida ação policial dos governos.

Segundo o jornalista Moacir Assunção, autor de Os Homens que Mataram o Facínora, sobre os inimigos de Lampião, o cangaço surgiu na Colônia e tinha a ver com o isolamento da região:

— O sertão ficava separado do litoral e mantinha uma ligação muito tênue com Lisboa e, depois, com o Rio. O que prevalecia não era a justiça pública, mas a justiça privada. Era com sangue que o sertanejo vingava as ofensas. Muitos aderiram ao cangaço em razão de brigas de família ou abusos das autoridades. Uma vez cangaceiros, executavam a vingança contando com a proteção e a ajuda do bando.

Lampião entrou no cangaço após a morte de seu pai pela polícia, em 1921.

— O cangaceiro não era herói. Era bandido mesmo — esclarece Assunção. — A aura de herói tem a ver com um atributo valorizado pelo sertanejo do passado: a valentia. O cangaceiro enfrentava a polícia sem medo, de peito aberto. Isso era heroísmo.

Em 1935, com a nova Constituição já em vigor, o senador Pacheco de Oliveira (BA) apresentou um projeto de lei que destinaria 1,2 mil contos de réis aos estados para repressão ao cangaço. O dinheiro sairia do orçamento da Inspetoria Federal de Obras contra as Secas, responsável pela abertura de açudes, poços e estradas no sertão.

A grande preocupação de Oliveira eram os criminosos que atacavam os trabalhadores e atrasavam as obras.

— Um engenheiro avisou sobre o risco que corria seu pessoal. Como não lhe chegassem recursos, lançou mão do único expediente que lhe era praticável: armou os trabalhadores.

Os cangaceiros matavam os operários por terem ciência de que a chegada do progresso ao sertão colocaria em risco o futuro das quadrilhas nômades.

Fonte: Agência Senado

 

Você pode gostar também

4 Comentários

  • Reply Marcospires 18 de julho de 2020 at 19:01

    Ô meu amigo, vc ainda tem dúvidas sobre o livro ? Arrocha o no.

  • Reply Fabrício Rodrigues 19 de julho de 2020 at 23:11

    Na lista do jornal onde tem os nomes dos 11 mortos em Angicos só errou no de Angelo Roque, mais conhecido como “labareda”. Ele faleceu em Salvador/BA muitos anos depois. Sou fascinado no tema cangaço e gosto muito de pesquisar! Fora os livros , no YouTube tem tem alguns canais sobre o tema q são show: ADERBAL NOGUEIRA, O CANGAÇO NA LITERATURA E O CANGAÇOLOGIA!

  • Reply Deyvison André de Araújo Alves 28 de julho de 2020 at 00:02

    Quantas histórias! Amo cada artigo, publicação ou matéria sobre o curso do cangaço. Parabéns pela riqueza de detalhes. Segundo dizem, o livro sai ou não?

    • Reply Sebastião 28 de julho de 2020 at 06:26

      Ainda em dúvida

    Deixar uma resposta

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.